A desculpa do combate ao branqueamento de capitais e o financiamento ao terrorismo tem servido de base a uma série de legislação que visa aumentar a transparência dos agentes económicos a actuarem na União Europeia.
Após a obrigatoriedade do código LEI para empresas que transacionam instrumentos financeiros, onde é declarada a estrutura de controlo de empresas, existe uma nova obrigação – o Registo Central de Beneficiários Efetivos. Se o código LEI tem um custo anual, leia-se taxa, que ronda os 130 euros, já o incumprimento na declaração dos beneficiários efectivos pode originar coimas até 50.000 euros.
Esta obrigação deriva da transposição parcial da Diretiva Europeia 2015/849 para o ordenamento jurídico português pela Lei n.º 89/2017 e obriga mais de 780 mil empresas a declararem, através do site rcbe.justica.gov.pt, todas as informações referentes aos seus accionistas, participações detidas e administradores, bem como os beneficiários efectivos, ou seja quem é que manda realmente na empresa. À falta de identificação de um beneficiário, a administração ou órgão de topo é quem irá responder como beneficiário perante as autoridades.
Mas esta obrigação vai mais longe trazendo consequências para as instituições financeiras ao nível do dever de diligência e identificação de uma conta-empresa. Os dados que serão declarados pelas empresas terão de ser comprovados, através de uma “chave electrónica” que a empresa entregará à instituição financeira. Caso haja alguma discrepância entre os accionistas existentes e os que estão declarados, há o dever de reporte, ou seja, de denúncia, o que pode colocar a empresa em maus lençóis.
Lembremo-nos que o incumprimento desta declaração pode trazer coimas avultadas, para além da impossibilidade de distribuição de dividendos, de participação em concursos públicos, ou de acesso a fundos estruturais.
O grande problema começa na criação de empresas, onde nem sempre é identificado o verdadeiro dono, a sede social ou mesmo a integralização do capital social.
Enquanto notários e registos comerciais permitirem a abertura de empresas sem comprovativos efectivos de dados fundamentais que garantam a verdadeira existência das empresas, estaremos sempre sujeitos à utilização do sistema legal e financeiro para o branqueamento de capitais. Por exemplo, é possível que existam empresas com capitais avultados, mas sem estes estarem realizados, aparentando uma dada dimensão apenas para transmitir confiança a terceiros. Estes sim são perigos reais que podem colocar em risco todo um ecossistema que se baseia na confiança.
Para uma obrigação legal tão importante, foram feitos poucos ou nenhuns anúncios por parte do Estado, que se viu agora obrigado a adiar o prazo de comunicação por dois meses, até final de Junho, uma vez que apenas 10% das empresas cumpriram o prazo legal.
As inúmeras obrigações legais que têm passado para a esfera das empresas constituem um aumento dos custos de contexto, mais burocracia, ao invés de se criarem condições para que as empresas se foquem na sua actividade real, na criação de valor e no aumento do investimento.
Há que repensar urgentemente a forma como olhamos para as empresas, se como dinamizadoras da economia ou se como funcionárias terceirizadas para cumprir os deveres do Estado.