De quarentena, vejo documentários interessantes na Netflix. Para a morte das cidades industriais do mundo ocidental, e em particular nos Estados Unidos, responsabilizou-se a China e os países emergentes com os seus salários baixos e nenhuma protecção social. O documentário, ‘uma fábrica americana’, é um bom exemplo. No entanto, metade desses empregos foi perdida para a automatização tecnológica. O teletrabalho é o futuro.
Os políticos que se dizem não populistas prometem trazer empregos de volta, que foram perdidos para sempre por causa da automatização de sistemas.
Um relatório de Oxford de 2013 refere que 47% dos empregos seriam destruídos nos Estados Unidos até 2034. O tema não é novo, portanto.
Apesar de o número ter feito as primeiras páginas dos jornais, a intenção era mesmo só essa, fazer a primeira página, ninguém ficou a pensar neste problema, ninguém ficou a matutar se a robotização e a inteligência artificial, mais conhecida por IA, vai mesmo eliminar postos de trabalho e criar novos problemas sociais enquanto a população continua a aumentar.
Na realidade, o que voltou à primeira página dos jornais foi o envelhecimento da população ocidental e a necessidade de medidas.
Parece haver uma dicotomia cada vez mais acentuada entre o sector público e o sector privado, havendo uma cada vez maior clivagem entre a realidade e a percepção de uma realidade. Senão vejamos:
O pensamento de um jovem indivíduo que se inicia no mercado de trabalho será ter dinheiro, um trabalho, ser feliz. O pensamento de um indivíduo menos jovem a chegar à meia-idade será ter saúde, manter o trabalho, e avaliar as possibilidades de reforma.
O pensamento de um empresário é garantir clientes para poder pagar aos seus fornecedores e empregados, estudar os seus concorrentes e tentar novos mercados.
Já o pensamento das elites do sector público agora é:
E depois… surge um cisne negro. Um vírus, a Covid-19 não é uma crise.
Escolas fechadas, aglomerações proibidas, eventos desportivos suspensos, supermercados vazios, cidades, regiões e países de quarentena e a previsão por virologistas de um número de mortos no mundo entre 1 e 18 milhões quando o problema estiver solucionado.
Não são só as pessoas que estão em risco, são as empresas, os empregos, todo um modo de vida parece estar acabado, como se fosse o fim de uma era. Mas o mundo não vai acabar, só vai mudar. Por vezes, precisa do incentivo de um acontecimento marcante.
Como um mal nunca vem só, os mercados decidiram entrar em violenta correcção e a conjugação dos dois males alvitra uma recessão. Dependendo da duração, há quem pense até na possibilidade de uma depressão.
O BCE já veio dizer que o financiamento para os bancos é ilimitado, como forma de garantir a liquidez da economia, mas os bancos não irão pedir financiamentos ilimitados pela simples razão que não podem garantir que serão pagos de volta pelas empresas se concedessem o mesmo crédito ilimitado.
Quais são os bancos que irão conceder crédito às empresas ligadas ao turismo? Que crédito ilimitado será concedido às empresas de aviação? Só se tiverem a garantia do Estado.
E as famílias que vão ficar no desemprego, que créditos vão ser feitos para garantir as responsabilidades já assumidas e a que taxas de juro? Não é certamente a 0%. Mas como a economia estava tão bem incentivou-se o consumo a qualquer crédito.
É toda a sociedade que precisa de ser repensada, agora que está resignada à sua pequenez, perante um vírus que não pode ser eliminado, quando não há muito tempo se pensava poder controlar as alterações climáticas com a ajuda do banco central.
Afinal, o sistema imunitário da economia não está protegido pelo Banco Central. O que este lhe vai dar são mais paliativos.
É talvez o momento para repensar a nossa sociedade, afinal de contas é sempre nas crises que se podem tomar decisões mais importantes. Mas haverá interesse em pensar se este sistema financeiro é sustentável no seu modelo actual?
Haverá interesse em saber se a IA pode vir a ser um problema no futuro próximo para o mercado de trabalho? A resposta, quero acreditar, é sim, e Yuval Harari, famoso historiador, já escreveu sobejamente sobre o tema da IA e dos perigos potenciais para a sociedade.
Não é só no futuro imediato que se terão que encontrar soluções para o desemprego com a situação do vírus, é também num futuro próximo em todas as atividades em que existem trabalhos repetitivos que podem ser automatizados.
Todos os empregos que tenham uma grande percentagem de rotinas têm uma alta percentagem de risco de vir a ser robotizado e a desaparecer. Em poucos dias de crise já se enalteceu o teletrabalho e o novo modo de vida criado pelas medidas impostas por governos, mas todos sabemos que o trajecto é irreversível e vai na substituição do trabalhador sempre que isso for possível.
Para já os políticos irão contribuir com milhões ou até milhares de milhões para salvar empresas, que eventualmente terão que morrer, ou para proteger empresas em dificuldades das contingências criadas pelo vírus.
Vai ser, provavelmente, a maior intervenção da história da humanidade, com o BCE e os outros bancos Centrais a comprar dívida, a dar crédito ilimitado aos bancos (já anunciado) eventualmente a comprar acções, seguindo o exemplo do Banco Central do Japão, talvez até dando dinheiro directamente aos cidadãos, e certamente com a promessa de mais despesa pública para mais aeroportos, mais portos, mais hospitais, mais escolas, mais… mas os perdedores serão sempre os mesmos, os contribuintes e os trabalhadores.
Por essa razão, vou retomar a minha sugestão de 2009: criar um banco central da Segurança Social e ouvir as vossas sugestões agora que passaram 10 anos.
Este Banco Central da Segurança Social precisa de responder a duas questões:
Que economia temos? Que emprego podemos ter? Que Estado queremos? Que futuro nos espera? Está lançado o desafio a todos os que queiram contribuir com sugestões e iniciar talvez o primeiro livro branco escrito por todos os que queiram participar.
Aguardo os vossos comentários.