Estamos no início de Dezembro, a Europa encontra-se na quinta semana de confinamento. A eleição presidencial norte-americana ainda está nos tribunais.
A caminho do supermercado – única deslocação autorizada sem teste negativo – verifico muitas lojas de vidros partidos e as bombas de gasolina com grandes filas.
No entanto, quando saí de casa tudo parecia normal.
Ao chegar ao supermercado o mesmo pandemónio: gritos, muita gente de volta das caixas registadoras, os funcionários a serem insultados, ovos partidos no chão, entre outras coisas.
Pergunto a uma senhora menos exaltada o que se passa: diz-me que os preços estão todos errados e que não aceitam cartões, apenas dinheiro, tudo está muito mais caro.
Alguém grita: só podem estar a gozar com as pessoas, quem é que hoje em dia anda com dinheiro para ir às compras?
De repente, os vidros são partidos e inúmeras pessoas saem com artigos roubados. Ouço as sirenes da polícia a chegar e decido ir a outro supermercado; afinal de contas não fiz nada, não quero estar envolvido naquela trapalhada.
Mas a situação é a mesma em todos os outros: inúmeras sinaléticas a anunciar pagamento com cartões indisponível, alguns já com a polícia em volta dos edifícios a tentar controlar a desordem.
Não faz sentido, os preços explodiram em 24 horas, não pode ser verdade, diz-me um casal jovem em jeito de desabafo.
– E porque é que não se pode levantar dinheiro nas ATMs? – Pergunta a senhora.
Digo-lhes que também não podia ser verdade imaginar que não poderíamos circular entre concelhos ou viajar para outros países; ou simplesmente não ir trabalhar ou ir ao futebol. Afinal, tudo isso tem acontecido nestes últimos 8 meses.
Nada é como dantes: não houve Páscoa, nem dia de finados, nem tão pouco o Natal é certo.
Por que motivo a subida dos preços não poderia ser verdade; e que dificuldade existe em cortar o acesso ao dinheiro?
Felizmente, este tipo de inflação ainda não chegou ao cabaz de compras e o acesso ao dinheiro ainda é livre, não havendo problema em levantar dinheiro, o texto anterior é todo ficção; mas a pergunta fica e é importante: por que razão se assume que não poderá acontecer?
É normal, no momento em que temos a dívida pública a mais de 135% do PIB, termos as taxas de juro mais baixas de sempre, inclusive negativas para as maturidades até aos 9 anos?
É normal a Europa ter neste momento mais de 100 milhões de pessoas em recolher obrigatório, apesar de não estarmos em período de guerra?
É normal, a Espanha ter declarado o Estado de Emergência até Maio de 2021, depois de ter garantido 21 mil milhões de euros da Europa?
Este montante corresponde a 1/5 do resgate bancário que tiveram em 2011. E Portugal? Iremos receber 50 mil milhões nos próximos 10 anos, o correspondente a 2/3 do resgate da troika.
É normal apenas se falar do milhão e duzentos e cinquenta mil mortes de, e por, Covid-19 no mundo; e não se falar dos 400 milhões de empregos perdidos, de acordo com a Organização de Comercio Internacional WTO?
Por alguma razão a sabedoria popular diz que “dinheiro mal ganho é dinheiro mal gasto”; mas mais adequado à época que vivemos, poder-se-ia dizer: “dinheiro recebido sem critério é dinheiro mal aplicado”.
Todos certamente se recordam dos 2 hospitais construídos na China durante a pandemia em apenas seis dias e apetrechados em 48 horas, mas com tanta contagem sobre internados e infectados de Covid-19, pode parecer surpreendente que o presidente pretenda que a aplicação de fundos europeus seja alvo de debate na sociedade, mas não é.
Em Portugal, todos os anos cerca de 40 mil pessoas entram na faixa etária superior a 65 anos (ver aqui); essa é uma pressão acrescida no SNS, mesmo sem Covid.
Em 10 anos, são mais 400 mil pessoas a necessitar de cuidados de saúde de forma mais intensa; apesar disso, no orçamento de estado para o próximo ano, o crescimento das despesas com pessoal por área aprovado é de 2,5% para a saúde e de 49,5% para as finanças. (ver aqui).
Os últimos 10 anos foram de expansão monetária muito mais rápida que a expansão da economia e os últimos 8 meses são simplesmente uma loucura de destruição económica.
Surpreendentemente, ou talvez não, apesar das muitas declarações políticas e de anúncios de pacotes de medidas, a realidade é a que temos, podendo-se dizer que a política está para o nosso cérebro, o que o açúcar está para a obesidade, podemos consumir qualquer quantidade sem nos fartar, mas não com o intuito de melhorar nada.
Não é cinismo, mas individualmente toda a gente sabe que não se pode passar cheques se não existir dinheiro na conta, mas em grupo aceitam e não questionam que o governo o possa fazer.
A razão está, porque em grupo, perante a falta de coerência, na lógica tribal em relação às lideranças. O instinto animal da manada dá normalmente uma certa noção de confiança ao grupo, porque em princípio existe essa liderança.
Estes últimos 10 anos, de tentativa de recuperação da crise anterior, alguma coisa boa trouxeram, foi a convicção de que é possível encontrar um novo paradigma, com base na única fonte inesgotável que tem sido a criação de moeda; nestes últimos 8 meses constatou-se haver absoluta necessidade de um novo paradigma.
A prová-lo, a economia da zona euro que vai ter uma queda que será o dobro da queda na crise de 2008 que deu origem à crise das dividas soberanas, com resgates à Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda.
Qual tem sido a solução desde então? Mais e mais estímulos à economia.
Através do seu banco central, a China lançou o Yuan digital, uma cripto moeda; durante o processo, impediu aquela que se preparava para ser a maior oferta pública da história, a “Ant Group’’, eventualmente por ser uma ameaça ao sistema financeiro, ou à nova moeda digital, com o seu sistema de pagamento Alipay.
O dinheiro passou a ser o terreno de batalha. Curiosamente, o Yuan digital não precisa de utilizar o sistema financeiro. Um dos aspectos mais relevantes é que a moeda digital elimina a necessidade de bancos, havendo apenas a necessidade de um banco, objectivamente o banco central.
Em qualquer caso, parece claro que o que está em jogo é o controlo absoluto da liberdade das pessoas, porque o anonimato desaparece quando o dinheiro desaparece, e o dinheiro torna-se a maior ferramenta para controlar o indivíduo.
Mas isto é na China; num processo de transição, como aquele que estamos a iniciar, podem e devem existir outras soluções, outras propostas para uma reformulação do sistema monetário e, com isso, solucionar vários outros problemas.
É aqui que devem entrar as lideranças fortes, com uma visão clara do que se pretende para o futuro, para evitar eventuais situações futuras, como as descritas no início do texto. Aqui sim, deve haver envolvimento da sociedade e contributos de todos.
A nossa proposta, já aqui apresentada (aqui), sugere a criação de um banco Central da Segurança Social para resolver, no mesmo processo, um outro problema que tem sido esquecido, o do Estado Social, e com isso a criação de um novo paradigma.
O fim deste sistema monetário, tudo indica, está próximo.