O modelo de corretagem zero chegou à Europa pela mão da XTB; com o auxílio do celebérrimo treinador de futebol: José Mourinho. O entusiasmo junto da comunidade jornalística é imenso e contagiante, quase tanto quanto a Covid-19.
Será o custo zero um novo modelo de economia, em que as empresas já não precisam de apresentar resultados e os reguladores já não exigem modelos de negócio solventes e com capitais mínimos?
A ser assim, será que também posso ter a minha empresa sem ter que me preocupar em vender alguma coisa?
Vejamos de forma séria este tema.
Como sempre, Portugal é uma excepção no mundo: a compra de acções em bolsa esteve sempre associada ao grande capital, um anátema permanentemente lançado por muitos dirigentes partidários à industria de corretagem.
Tal não aconteceu nas economias mais desenvolvidas, onde investir na bolsa é algo levado muito a sério; desde os anos 70 do século passado, a democratização do acesso à bolsa de valores pelos particulares foi sempre uma prioridade de primeira ordem.
A pioneira foi a corretora – hoje um banco – Charles Schwab, que então baixou as comissões e criou o conceito corretora “low cost”; depois, foi a Etrade no final dos anos 90, que criou a corretagem “discount broker”, graças à revolução da internet, fazendo disso uma estratégia de marketing e um modelo de aquisição de clientes; recentemente em 2015, foi a RobinHood com o conceito de corretagem a custo zero, tirando partido da procura por informação digital por parte dos institucionais que actuam nos mercados financeiros.
Que são estes institucionais?
Para realizar sistematicamente operações de bolsa com lucros, necessitam de conhecer as ordens pendentes dos pequenos particulares e actuar com uma velocidade muito superior a estes: por esta razão, a sua forma de actuar designa-se por “trading” de alta frequência ou HFT – High Frequency Trading – , pelo que estas instituições estão dispostas a pagar às corretoras e bancos para ter acesso à informação dos seus clientes, em particular o tamanho, tipo de posição (compra ou venda) e o preço das ordens pendentes de execução.
Na prática isso quer dizer o quê, quando tudo está regulamentado nesta actividade? Que são investidores que pensam pela sua cabeça.
Por exemplo, de acordo com a actual legislação, a corretora é obrigada a oferecer o melhor preço disponível, entre as diferentes bolsas disponibilizadas.
Parece simples, mas não tanto…o conceito de melhor preço está agora por lei diluído em tantos aspectos que a questão do preço propriamente dito é quase irrelevante.
Resultado: existem várias maneiras de se comprarem acções, de acordo com os diferentes tipos de investidores.
Para facilitar, vamos só referir 2 tipos:
Uma das razões porque algumas corretoras recebem mais para venderem informação sobre as ordens pendentes dos seus clientes do que receberiam cobrando comissões de corretagem, colocando as ordens no mercado, é justamente porque os sobreditos institucionais sabem que os clientes deste tipo de corretoras não sabem muito de mercado e não são muito inteligentes; alguns dirão: perdedores!
A inteligência aqui em causa é a mesma que impediria alguém de se sentar numa mesa de jogo de cartas, sabendo que um dos participantes desse jogo sabe as cartas que tem na mão.
É a mesma inteligência que levaria uma qualquer pessoa a não fazer uma aposta num jogo, se o resultado desse jogo já tivesse sido decidido antes de ser jogado.
É ainda a mesma inteligência que levaria uma pessoa, se o tempo pudesse andar para trás, a não aceitar uma taxa de juro superior àquela que estava no mercado para uma coisa parecida com um depósito a prazo oferecido pelo antigo BES.
Assim, essa pessoa não teria que participar em manifestações a pedir para que lhe devolvam o dinheiro e alegando que não tinha conhecimentos para entender que estava a ser enganado.
Infelizmente, para aqueles que ainda não estão preocupados, os problemas não acabam aqui. A Robinhood recebe pela venda de informação das ordens pendentes dos seus clientes cerca de 10 vezes mais que outras corretoras com o mesmo volume de ordens.
A razão? A qualidade dessa informação ou, melhor dizendo, a ignorância dos seus clientes – os tais perdedores.
Um relatório da consultora Logan Kane sugere que os utilizadores da Robinhood são os “investidores menos informados”.
Esta é a razão porque no mercado os seus clientes são reconhecidos como particularmente estúpidos e associados a todos os acontecimentos anormais do mercado.
Para assegurar ganhos permanentes, bastará a um institucional colocar-se no outro lado.
Robin Hood era um fora da lei que roubava os ricos para dar aos pobres, mas esta Robinhood explora os pobres de espírito para engordar os ricos, o que não deixa de ser paradigmático, considerando que esta corretora criou um modelo supostamente disruptor na indústria de corretagem, ao transaccionar os seus clientes, os investidores, em lugar de acções.
Seria bom saber a quem a XTB vende a informação dos seus clientes e a que preço para se conhecer o nível de estupidez dos seus clientes. Apesar da lista infindável de legislação e de todo o detalhe da regulamentação existente, vai ser necessário fazer uma nova alteração para que quem utilize este modelo de negócio possa saber quanto recebe a corretora envolvida e de quem recebe.
A DIF não vende as ordens pendentes dos seus clientes; as suas preocupações são mais respeitosas da integridade do mercado, e respeitosas da inteligência das pessoas.
Por essa razão, patrocinou em 2016 a campanha ‘’Stop Market Data Fees’’: um combate pela transparência do mercado, para que os preços de compra e de venda numa bolsa de valores não tenham um custo, nem para o operador nem para o cliente e alertando para o tal trading de alta frequência.
Esta é a única indústria que cobra um preço para apresentar a ementa.
Ninguém se imagina a pagar para pedir a ementa e depois escolher o que come e pagar por isso também, mas nos mercados financeiros pouca gente se preocupa que os seus intervenientes tenham que pagar para oferecer os preços das empresas negociadas.
Para os intelectualmente limitados fazer operações a custo zero é mais importante que ter acesso ao preço de negociação real e efectivo no mercado para formar uma decisão avalizada de compra ou venda
Claro que para isso acontecer teríamos um mercado só para inteligentes.