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ONDE FALAMOS DE BOLSA
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O Futebol E As Suas Lições De Economia

São do domínio público as distorções criadas por alguns proprietários de clubes de futebol, por terem elevada capacidade financeira. Clubes como o Manchester City ou o PSG são dirigidos de forma profissional, sem dúvida, mas sem preocupações de dinheiro.

São, por essa razão, regularmente atacados pelos outros clubes grandes que se sentem incapazes de competir, por estarem em desvantagem financeira e envolvidos em questões de fair play financeiro.

Existe ainda um terceiro grupo de clubes, considerados pobres, e que disputam um outro campeonato, apesar de…no mesmo campeonato. O ecossistema futebolístico torna-se ainda mais complicado quando visto numa óptica mais global.

Os clubes grandes de países como Portugal ou Holanda são, na realidade, clubes pequenos na Europa, e os clubes pequenos destes países, são insignificantes.

Mas o futebol foi, até ao início da pandemia, um investimento atractivo para muitos empresários que o tentaram mugir até à última gota de leite.

Apesar de muitos clubes serem agora sociedades abertas e, como tal, serem de mais fácil escrutínio, a realidade dos clubes de futebol é que não são empresas tradicionais, porque vivem da paixão dos seus associados, e o recente acontecimento da Superliga Europeia talvez venha representar o fim das sociedades anónimas desportivas, representadas por accionistas.

Afinal de contas, de que serve alguém ter acções de um clube, se depois as decisões são tomadas em função dos apoiantes, ou seja, os sócios, pelos golos que entram ou não entram, pela qualidade do seu treinador ou a forma dos jogadores.

É aqui, que talvez possamos aprender alguma coisa com o futebol: de que serve votar, se depois as políticas são as mesmas, de que serve investir em sociedades financeiras, se o banco central depois decide que não podem distribuir dividendos, de que serve iniciar um pequeno negócio, se é dada apenas protecção aos grandes negócios?

Para os clubes que estão cotados em bolsa, esta superliga era uma enorme violação da agora tão propalada da ESG (Environmental Social and corporate Governance) , porque aparentemente retira dinheiro dos clubes pequenos, tornando-os todos ainda mais pequenos, para beneficiar a gula de alguns accionistas, violando, desta forma, as melhores práticas de sustentabilidade.

Surpreende que depois de tanta intervenção política, ninguém tenha reparado que numa matéria que é evidente de acordo com as regras estabelecidas, o responsável de ESG no Banco JP Morgan é o senhor Chuka Umunna, antigo membro do parlamento britânico em representação do partido trabalhista.

É verdade que a narrativa falava de gerar recursos suplementares para toda a pirâmide do futebol de forma transparente, percebendo-se bem que o topo da tal pirâmide tem os seus privilégios.

Afinal de contas, o futebol não é diferente da restante economia e, na sua dialética, talvez até mais transparente. Ainda não ouvimos governo algum dizer que as políticas de estímulos monetários beneficiam a pirâmide da sociedade civil – as cotações das acções em bolsa não param de subir, graças à impressora dos bancos centrais.

Voltando ao futebol, o seu modelo de negócio está a par da nova economia. É quase sempre deficitário, pelos seus custos inflacionados, mas curiosamente existe sempre dinheiro disponível para alimentar o topo da pirâmide, para que esta possa ser mais solidária com a base da pirâmide. Tal, ficou mais uma vez comprovado com o JP Morgan a garantir cinco mil milhões de Euros para o lançamento da Superliga.

Não deixa de ser interessante constatar a facilidade com que se conseguem financiar os clubes de futebol, tendo em consideração os seus resultados financeiros, a facilidade com que se contratam jogadores e se fazem estádios, em comparação à dificuldade com que negócios mais promissores o conseguem fazer.

Não existe nada de cínico nesta observação, é assim porque é assim, adoptado pela maioria e possivelmente pelo fenómeno social em que vivemos, que, por sua vez, está ligado ao modelo político que tem o suporte dos bancos centrais para manter a pirâmide solidária.

Suspeito, no entanto, que o futebol possa ser um bom indicador e o melhor exemplo do desequilíbrio existente na sociedade e do caminho que a sociedade possa vir a ter. Como todos os processos em pirâmide, a realidade implica ter sempre mais e mais no topo da pirâmide. Receitas que parecem sempre ser insuficientes, para o nível de custos que assumem, implicando mais e mais endividamento. Os números são sempre maiores, o modelo é sempre o mesmo e o final não costuma ser diferente: mais desigualdade, mais questões sobre como se vai pagar a recuperação, maior insatisfação com os políticos.

No futebol, na óptica dos sócios, o capital investido nos clubes não tem como propósito ter mais estabilidade financeira: o propósito é ganhar campeonato, apesar de apenas um no final tornar-se campeão.

Mas, nas empresas do século XXI sem campeonatos, o capital investido também não serve para criar mais capital, serve exclusivamente para comprar acções próprias ou para comprar criptomoedas, como aconteceu com a Tesla ou a Microstrategy.

Todos os modelos económicos ensinados nos bancos da escola parecem estar ultrapassados e provavelmente estarão, porque o modelo está esgotado. O objectivo é atingir dimensão para fazer parte de oligopólios; ou melhor, fazer parte do topo da pirâmide.

Temo-nos sentido aliviados com os programas de estímulo dos bancos centrais, ficamos satisfeitos com algumas bolsas a subir sem interrupção, como a alemã, a sueca, a dinamarquesa e, em especial, a norte-americana; em paralelo, nas bolsas de criptomoedas, o bitcoin a multiplicar por 8 nos últimos 12 meses, muito igual ao modo como estávamos satisfeitos com transferências de jogadores por 120 milhões.

O único problema é que ninguém parece saber muito bem o valor das coisas, porque não se sabe bem o valor do dinheiro.

Voltando à Superliga e ao golpe palaciano das equipas inglesas, que parece ter resultado num falhanço colossal, apresentado também como uma vitória dos apoiantes locais dos clubes, com o apoio dos políticos, em detrimento dos apoiantes globais, a quem esta Superliga fundamentalmente se dirigia.

O problema dos sócios é que a sua opinião se altera em função dos resultados. Se os clubes perderem competitividade por falta de dinheiro, os sócios passam a estar receptivos a outras soluções mais globais. Não é muito diferente dos votos na política. Se um candidato promete que vai dar mais que o anterior, confiscando uma minoria para obter os recursos, então é nesse que se vota.

No final, o que é o futebol sem o dinheiro? O que é a importância da Champions League senão dinheiro? O que é viver em sociedade se não se tiver com quê?

Na política, sempre que existem falhanços, procedem-se a alterações de pessoas nos partidos e de programas, com promessas de soluções milagrosas, que, passado algum tempo, voltam a recuperar as anteriores pessoas, fazendo as mesmas coisas, com uma nova narrativa.

O problema é que com o tempo será cada vez mais difícil encontrar novas narrativas, sem que pareçam absurdas, como algumas já começam a ser. A UEFA e a FIFA representam para o futebol, o que estado representa para uma nação, a sua lei e ordem. Isto, enquanto não for colocada em causa esta guarda pretoriana do status quo.

Começa a aparecer brechas neste status quo. É visível quando a polícia já pode errar, eles que em condições normais estão sempre acima de qualquer suspeita, e agora podem ser condenados como o polícia de Minneapolis, ou quando os clubes mais representativos da UEFA decidem fazer uma prova independente.

Estes clubes, por terem milhões de seguidores, podem ser considerados os activistas do futebol que estão a colocar em causa a ordem do futebol, à semelhança de movimentos activistas em outras áreas.

Por agora, os votos dos sócios parecem ter prevalecido, mas antes de Jesus ser crucificado, Pôncio Pilatos também perguntou ao povo judeu a quem gostariam de libertar: Jesus ou Barrabás, e todos sabemos a resposta.

Veremos o que acontecerá com o futebol e a Superliga.

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