A grande depressão de 1929 está no imaginário de muitos como sendo a maior calamidade económica que o mundo alguma vez viu; este evento foi magnificamente retratado no filme de Sidney Pollack “Os cavalos também se abatem” com Jane Fonda.
O filme, lançado em 1960, retrata de forma impiedosa a crueldade dos tempos da Depressão Económica e da luta pela vida. A mim, que o vi quando teria os meus 15 anos, foi positivamente traumático.
Estatisticamente, essa grande depressão, após 1929, viu nos 3 anos seguintes o PIB cair 30% e o desemprego disparar para 25%, mas a queda em 1929 foi “só” de 16,1%.
O espanto do “só” vem do facto de os governos ocidentais terem engendrado em 2020 uma crise económica com base na “pandemia” Covid-19 que no segundo trimestre fez desaparecer 16,5% da riqueza produzida em Portugal, 32% nos Estados Unidos e 12% na Zona Euro.
Voltando à grande depressão, as suas razões estavam alicerçadas nos excessos dos anos 20 e no crash bolsista de 1929; mas a queda histórica do presente ano acontece por imposição dos governos, que a pretexto de salvar vidas, arruinaram a economia, em particular decretando confinamentos com discutível suporte científico: nunca na história da humanidade se confinaram pessoas saudáveis.
Um ano depois do crash bolsista de 1929, veio uma crise bancária, que se prolongou por mais um ano.
É essa a realidade que estamos a viver. O resultado desse esforço, em que os Bancos Centrais actuam como o joker desta economia de faz de conta e subsidiada, por dinheiro criado do nada, para evitar uma crise bancária.
Para ilustrar, podemos ver que o BCE, com um capital de 10,8 mil milhões de euros, tem agora activos em torno de 4,5 biliões (ou seja, na versão americana para um capital de 10,8 biliões de euros, activos de mais de 4,5 triliões).
Os números são tão absurdos de grande, que não representam nada para quem vive com 600 euros por mês, mas para se ter uma ideia, numa economia real, uma desvalorização de apenas 1% dos activos numa empresa com estes números obrigaria a uma imediata falência, porque o capital não é suficiente para cobrir esse tipo de perdas.
Entre o início das guerras Napoleónicas (1803), no início de século XIX, e o fim do padrão ouro em 1971, no final do século XX, só havia duas maneiras de se ter mais dinheiro: ganhá-lo ou roubá-lo.
Os privilegiados herdavam. Presentemente, o dinheiro parece ter deixado de ser problema, parecendo não haver mais necessidade de o ganhar, bem como, desnecessário roubá-lo; só existe um problema, este modelo só é sustentável num período muito curto de tempo e enquanto estivermos a viver em alucinação colectiva, ou então com um novo paradigma.
Uma das razões para clarificar este mito, é que ele é fundamental para entender a situação financeira actual. O excesso de dinheiro em determinados sectores da sociedade e a falta de dinheiro em outros, precisam de ser compreendidos apropriadamente para que possamos enfrentar o futuro, porque julgo que iremos ver um agravamento muito maior desta crise.
Durante mais de 150 anos tudo estava limitado, ou pelo menos havia a noção dessa limitação, a começar pelo dinheiro, mas também o tempo, os ganhos, o aforro e até a dívida. Durante esse período de tempo, esses tais 168 anos, era preciso ganhar antes de começar a gastar.
Este conceito foi-se perdendo gradualmente desde 1971; em 2008, deixou simplesmente de ser verdade; e em 2020, entrámos numa nova fase, em que as pessoas recebem por estarem proibidas de trabalhar, transformando de forma crucial as nossas vidas quotidianas.
O dinheiro parece ter deixado de ter limites e passou a ser criado a pedido, os recursos naturais também parecem não ser mais um problema, o tempo também deixou de o ser, agora que se instituiu a prática das taxas negativas, significando factualmente que o tempo pode andar para trás; ao mesmo tempo, o aforro deixou de fazer sentido, porque a dívida deixou de ter limite, para as pessoas, as empresas e as nações, pelo menos enquanto os bancos funcionarem.
Literalmente, passou a ser possível gastar sem ter que ganhar, mas curiosamente existe um sector que não beneficiou desta alteração: as pensões e a segurança social, ou seja o Estado Social.
Esse é o único sector que continua limitado em dinheiro, em tempo, em aforro e em dívida, apesar de ser provavelmente aquele onde se justificaria uma alteração de paradigma, tendo em conta que não é mais que um sistema Ponzi, em que os trabalhadores activos pagam para os actuais pensionistas.
Sem fazer juízos de valor sobre os sistemas monetários (não sou um apologista do padrão ouro), os factos provam indiscutivelmente que existe uma diferença entre o dinheiro até 1971 e o dinheiro depois de 1971.
Existindo uma diferença no dinheiro, tem que haver uma diferença no conceito de capitalismo, que antes requeria verdadeiro capital, constituído com aforro obtido no tempo.
Sem aforro, uma economia capitalista não tem base de trabalho, ou seja, não tem excedentes, para a criação do processo de transformação. A dívida, que hoje se confunde com capital, é na realidade o anti capital, porque dívida não é aforro, é dinheiro que ainda nem foi ganho e que por isso, em termos práticos, anula o aforro.
E é aqui que os novos conceitos que estão a ser aplicados se tornam interessantes, porque têm por base…..nada, mas que estão a alterar profundamente a nossa sociedade.
Por exemplo, uma nacionalização requer uma decisão política, provavelmente sustentada numa teoria política, mas hoje o Banco Central do Japão é já um importante accionista em 40 das 225 empresas que compõem o índice Japonês.
O que impede o Banco Central de tomar uma posição maioritária nestas empresas? Porquê nestas e não nas outras? Quais os critérios? Isto ainda é democracia? Ainda é capitalismo?
Em tese, desta forma, nada impede o governo de tudo controlar, tendo em conta que não existe limite pelo dinheiro.
O problema, como já todos perceberam, está no facto de isto ser em teoria, porque na prática, tal não ser possível com o sistema monetário actual. Para que o dinheiro tenha valor tem que estar ligado a algo de valor e, por essa razão, o seu dinheiro está em perigo.
Bem sei que já se fala de eliminar o dinheiro físico, para que os governos possam controlar os seus gastos e assim controlar a inflação. Se os preços subirem demasiado, pode-se aplicar mais um imposto ou aumentar os existentes, se o consumo não é suficiente, pode-se taxar também o aforro, para obrigar as pessoas a gastar.
Este é o modelo que está na cabeça de políticos e economistas.
É por isso essencial que se entenda correctamente esta temática da inflação, porque é o dinheiro de milhões de aforradores que está em causa, de dinheiro que se pensa estar seguro, quando na realidade todo esse dinheiro está a servir para financiar os défices abissais dos Estados Ocidentais e está a servir para salvar os grandes investimentos em nome do bem comum, enquanto não se passa à fase seguinte da proibição do dinheiro físico.
A maioria das pessoas acredita que a inflação é um aumento nos preços, quando, na verdade é um aumento na quantidade de dinheiro e do crédito.
Se houver, num determinado ano, muita maçã no mercado, o preço cai, toda a gente entende isso. Da mesma maneira que uma quantidade crescente e constante de dinheiro e de crédito diminuirão o valor do dinheiro.
Um problema adicional, que já se torna evidente, a inflação monetária não afecta a todos da mesma maneira, e é a causa de um grande aumento na disparidade entre ricos e pobres, os primeiros a receber o “novo dinheiro” são os beneficiados deste processo, que, por vezes, só tem solução em guerras, de que a Alemanha e Jugoslávia são exemplos próximos.
Para quem acredita em liberdade política e quem acredita em dinheiro como valor não existe meio-termo, só se pode estar ou favor do sistema actual ou contra o sistema actual.