É verdade que o nosso sistema económico evoluiu do capitalismo para um sistema baseado no “crédito’” quando se abandonou o padrão-ouro em 1971. A grande maioria das pessoas não sabe o que isso é, nem quer saber na realidade.
No entanto, esta evolução deve-se aos “melhoradores do mundo” que são, entre outros, os responsáveis pelos bancos centrais, mais particularmente os presidentes da FED, do BCE, do Banco Central de Inglaterra e do Japão.
São estes “melhoradores do mundo” em particular, pessoas não eleitas, que não conseguem explicar ou não têm interesse em explicar, que a diferença entre capitalismo e “creditismo” é de capital importância.
Claro que a palavra creditismo não existe. Estamos a utilizá-la porque pretendemos representar o facto de o sistema económico actual estar baseado na criação de crédito e ,com isso, no consumo, que é a realidade que hoje vivemos e que todos conhecemos, quando no capitalismo do padrão-ouro a realidade era baseada na poupança e no investimento.
Ou seja, com este sistema, se não houver expansão do crédito, a economia não pode crescer e o crédito, em princípio, não pode crescer infinitamente neste sistema sem criar problemas morais que, mais tarde ou mais cedo, serão percetíveis pela sociedade e pensamos que já estão a ser percebidas pela sociedade, porque o dinheiro tem um aspecto moral que implica que qualquer perda do seu valor corresponde a uma perda equivalente de valores sociais e políticos.
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Já não vivemos no padrão-ouro pelo que o financiamento da economia já não se faz pela poupança. Ele precisa de ser gasto em consumo para que se utilize o crédito.
Vai ser preciso pensar nas finanças de um modo diferente, por vezes em directa oposição ao que é politicamente correcto.
A economia de consumo está condenada, o consumo não pode tomar uma parte cada vez mais importante do PIB. A robotização com a inteligência artificial vai eliminar inúmeros postos de trabalho e criar novos problemas sociais enquanto a população mundial continua a aumentar.
Acabamos de entrar na terceira década do terceiro milénio e esta vai provavelmente ser a década do rendimento mínimo garantido.
O movimento está a ganhar força nos meios políticos, o desenvolvimento tecnológico combinado com a maior longevidade das pessoas está a criar problemas no mercado de trabalho, e a crise permanente da previdência social, parecem confluir para a tempestade perfeita.
O desenrolar dos acontecimentos demonstra que o problema está a ganhar velocidade.
Os problemas sociais que se verificam um pouco por todo o mundo, disfarçados com diferentes capas políticas, estão por enquanto identificados como problemas do passado e por isso levam promessas de soluções utilizadas no passado.
A única coisa nova é o movimento contra as alterações climáticas encabeçada pelos jovens e mesmo este movimento não é verdadeiramente novo, o que é novo é o activismo dos jovens, prontamente cavalgado pelos políticos porque é gerador de oportunidades para manter o status quo.
Imagine agora o leitor uma Greta Thunberg a levantar o problema da opressão feita pelas velhas gerações sobre a nova e futuras gerações.
A inexistência de oportunidades de trabalho, as dívidas acumuladas pelas gerações passadas, a obrigatoriedade de contribuir para os actuais reformados sem garantia de receber no futuro ou com a garantia de não receber no futuro na mesma situação.
O grande problema do rendimento mínimo garantido é o dinheiro, como é fácil perceber, e o outro óbvio problema é o risco moral de se dar dinheiro periodicamente e de forma incondicional sem exigir nada em troca.
Se alguma coisa boa estes últimos 10 anos trouxeram foi a convicção de que é possível encontrar um novo paradigma com base na única fonte inesgotável que tem sido a criação de moeda.
Nunca na história foi visto uma geração aceitar o passivo financeiro da anterior. Mesmo as dívidas de guerra terminaram mal, muitas com novas guerras como a segunda guerra mundial.
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Começámos este ensaio observando diferentes interesses de diferentes grupos de pessoas.
Como observador atento daquilo que me rodeia, sei que ninguém sabe nada pela simples razão que a economia é demasiado complexa para ser prevista quanto mais controlada, sei que o sector financeiro criou uma realidade própria com a sua dimensão que o tornou um autêntico mundo imaginário com base em teorias baseadas na procura e na dívida, que não podem fazer outra coisa senão aproximarmo-nos do ponto de não retorno, porque compramos o que não precisamos com dinheiro que não temos.
A economia já muitos sabem não é uma ciência exacta, mas o que poucos sabem é que os banqueiros centrais também não percebem de economia porque para isso é preciso reconhecer as limitações sobre o conhecimento do seu funcionamento.
Por exemplo, quando um Banco Central vem mais uma vez aplicar as mesmas medidas aplicadas anteriormente, para criar os “estímulos” necessários à economia, todos sabemos que se é necessário recomeçar é porque a tentativa anterior fracassou e não é porque os “estímulos” anteriores não foram suficientes, é simplesmente porque a solução não é a adequada.
Com um pouco mais de humildade perceberiam que a economia é o reflexo natural de milhares de milhões de contributos, de sentimentos mais ou menos ambíguos, de desejos, modas, fantasias, na sua maioria com origem em pessoas com as suas únicas individualidades e informação.
Esta humildade também não é extensível aos políticos que com mais ou menos ênfase falam invariavelmente do mesmo, sem se ver ninguém com a lucidez suficiente para dizer que é preciso repensar totalmente o funcionamento dos bancos centrais e tudo aquilo que têm representado de ideias feitas.
Porque a maioria das economias mundiais ficaram viciadas nesta política de taxas zero, tentando realizar o sonho de fazer coisas a custo zero, de promover uma vida boa sem que as pessoas tenham que trabalhar para isso, inclusive de com todo o entusiasmo de quem nunca trabalhou, clamar direitos sobre os resultados do trabalho dos outros, chamando-lhe justiça social.
Este raciocínio político acontece, certamente, porque apoiam as políticas dos bancos centrais de imprimirem todo o dinheiro necessário, pensando que isso criará prosperidade sem consequências futuras.
Sabemos que os políticos acreditam que a dívida dos Estados não é para ser paga. Essa é a razão que os leva a acreditar que é possível consumir mais do que o que se produz sem ir à falência.
Sabemos agora que algumas empresas prosperam nessa filosofia, como a Tesla, a Netflix, a Uber, e sabemos que a Amazon andou 20 anos a perder dinheiro até ter resultados.
Sabemos que para se chegar aqui se tem destruído aquilo que é o suporte, da economia e da sociedade: a Classe Média.
Classe Média que ficou bem definida na peça de teatro “O diabo vermelho” de Antoine Rault, quando num diálogo entre Colbert e o Cardeal Mazarin (ministro do Rei Luis XIV) este diz: “Há uma quantidade enorme de pessoas entre os ricos e os pobres que trabalham sonhando enriquecer e temendo empobrecer”.
A destruição desta Classe Média tem acontecido por culpa da criação de dinheiro por parte dos bancos centrais.
Sejamos claros, todas as condições estão reunidas para que as obrigações tituladas por dívida pública tenham um desastre num futuro mais ou menos próximo e, no entanto, todas as autoridades continuam a referir estas obrigações como investimento sem risco.
As mesmas autoridades que não viram chegar, não perceberam, não alertaram para nenhuma das crises que nos atingiram desde o princípio do século.
A inflação é o único meio para mitigar o endividamento. A perda de controlo da inflação ou uma decisão deliberada dos bancos centrais para a perda de controlo, fará com que os investidores percam imediatamente confiança no sistema financeiro e depois a economia entrará em recessão e a crise social irá piorar ainda.
Todos os sinais estão à vista de todos disfarçados com mais ou menos “fake news”. Factos é que os coletes amarelos saíram religiosamente para a rua todos os sábados durante 20 meses, mas só são notícia quando se partem montras.
Espanha continua com um desemprego entre os jovens de 32% (dados do Eurostat, Trading Economics Outubro de 2019) a Itália de 33% e a Grécia ainda mais, certamente agravado com a Covid-19.
Somos por definição, como seres humanos, uma espécie competitiva.
Enterrado no nosso DNA está uma particularidade que nos leva a sentirmo-nos melhor na directa proporção em que nos sentimos superiores aqueles com quem lidamos e isso exprime-se de múltiplas maneiras actuando como forma de defesa, não tem nenhum carácter pejorativo.
Desta forma conseguimos encontrar superioridade em quase tudo e isto está na base da nossa sociedade e de todas as relações sociais. Por exemplo, se nos sentimos burros perante alguém intelectualmente superior diremos que nos focamos no senso comum ou na prática das coisas, porque isso nos dá uma vantagem.
Se formos gordos dizemos que gordura é formosura e se não for convincente, de forma mais séria diremos que a magreza é muito pior para a saúde.
O leitor encontrará todo o tipo de exemplos desta característica, se o assunto são carros, aquele que não tem um carro automático dirá que prefere o prazer da condução com a caixa de velocidades.
Esta configuração do nosso ADN define a nossa personalidade, se formos vivos e articulados só tiraremos vantagens se os outros forem menos vivos ou articulados, quem tem dinheiro e é rico só sente esse significado se os outros forem menos ricos.
Poucas coisas produzem tanto sofrimento e humilhação quanto a pobreza. É por isso natural que aqueles que têm pouco dinheiro ou só dívidas, como reacção de defesa digam que, gastar dinheiro é ostensivo e vulgar, ou em alternativa pode apoiar um partido de esquerda com o intuito de uniformizar a sociedade.
Esta é outra característica dos Sapiens que nos torna sociais e com capacidade única para nos associarmos por variadíssimas razões, umas vezes por motivações, outras por influência política, consoante os nossos interesses.
As alterações climáticas correspondem à primeira situação.
É possível agora concluir-se que pode haver com vontade política uma nova teoria económica que seja uma solução em simultâneo para a segurança social. Pode acontecer que o progresso tecnológico e a experiência dos bancos centrais torne o status quo insustentável.
Pode não ser por acaso que o Facebook tenha anunciado o projeto Libra, que foi apresentado como um dólar alternativo. Existe claramente a noção de que é necessário um novo sistema monetário.
A China lançou uma criptomoeda. O dinheiro passou a ser terreno de batalha. O muro de preocupações regulatórias é por isso natural, pois existe muita coisa em jogo, mas as mudanças não serão limitadas por questões regulatórias porque no final haverá mudanças políticas e monetárias.
O que está em jogo é o controlo absoluto da liberdade das pessoas porque o anonimato desaparece quando o dinheiro desaparece e o dinheiro pode tornar-se uma ferramenta para controlar o activismo politico e tudo o mais.
Um dos aspectos mais relevantes é que uma moeda digital elimina a necessidade de bancos havendo só necessidade de um banco, objectivamente o banco central.
Basta para isso que qualquer pessoa possa ter a possibilidade de abrir uma conta no Banco Central, potencialmente dando ao Estado o monopólio na criação de dinheiro, porque se torna o credor de todos.
Já hoje é o Banco Central que mantém o sistema bancário em funcionamento a uma só voz. Nada é feito sem autorização do Banco Central, ninguém opera sem autorização do Banco Central, ninguém administra sem ter a chancela do Banco Central.
A política bancária hoje é a do banco Central e os bancos já só deveriam ser ‘franchises’ do Banco Central seguindo o modelo Burger King. Seria mais transparente, mais eficiente e mais barato para todos no quadro actual.
Por agora, enquanto continuamos a contar constipações, estamos em simultâneo a condicionar a população tornando-a mais submissa, e ao mesmo tempo eliminando a sua individualidade ao esconder o rosto.
Parece inevitável a destruição do dinheiro, mas isso é tema para outro artigo.