O número de mortos no mundo com origem nesta crise está em 220.000. Ainda longe dos 650.000 que morrem anualmente com a gripe. Não querendo ser mais um dos milhares de especialistas em epidemiologia, virologia, saúde pública e outros qualificados, limitamo-nos a observar:
Os números só fazem sentido se for possível comparar, porque senão são só números.
Por exemplo: a FED, numa segunda-feira, imprimiu 190 mil milhões. O número veiculado pela Bloomberg não quer dizer nada à grande maioria das pessoas, mas se disser que é equivalente ao PIB do Peru ou da Nova Zelândia e um pouco menos que o PIB de Portugal, creio que passa a ter outro significado.
A notícia deveria ser: a FED, em segundos, carregando em algumas teclas, criou o dinheiro equivalente à riqueza anual do Peru ou Portugal. Em seis semanas, criou dinheiro equivalente ao PIB anual do Reino Unido.
Voltando ao número de mortes. Se é verdade que morrem em média 3000 pessoas por ano com gripe em Portugal, sabendo que já morreram 1000 com o Covid-19 (dos quais 400 em lares), estamos melhor que nos outros anos com as 3000 mortes habituais ou não?
E já agora que se constatou que quase metade das mortes são em lares, e sabendo que todos vamos morrer, não será bom trabalhar esse ponto de como se vai morrer, e com que dignidade?
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Não confundir com o milagre da vida que tem uma carga religiosa que é associado ao nascer, à formação da vida. O mistério da vida que pretendemos analisar é tudo aquilo que liga e justifica as nossas incoerências.
Nós somos todos realidades mentais, mas para os outros somos realidades físicas. Se o importante é salvar vidas, por que se enviam jovens para a guerra? Serão as suas vidas menos importantes?
Voltando às nossas realidades mentais, a primeira constatação é que gostamos de ter medo. Gostamos de filmes de terror, procuramos a pior notícia, a desgraça. Talvez por essa razão uma grande maioria está sempre pronta a abdicar da nossa liberdade em troca de alguma prometida segurança.
A experiência gerada por esta pandemia – de fechar a população – abre a porta a uma qualquer outra experiência, como retirar o dinheiro da circulação para nos salvar da inflação.
Por exemplo: sabemos que praticamente não existem mortos na estrada se a velocidade não exceder os 30 km/h. Não seria aceitável impor um limite de velocidade nos carros de fábrica de 30 km/h para salvar vidas?
“Nenhum homem é ele mesmo”, dizia William Faulkner. Ele é a soma do seu passado, provavelmente dos seus hábitos, dos seus receios, mas parece haver coisas de que não abdicamos – que é fazer aquilo que os outros fazem.
Vem isto a propósito de se voltar ao normal, que parece começar a ser o tópico do dia.
O que as pessoas parecem querer começar a acreditar é que vamos voltar à normalidade sem “stress pós-traumático”, e a pergunta que fica é: Depois de largas semanas a serem bombardeados com a possibilidade de estarem a cometer um acto de terrorismo biológico se fosse dado um abraço aos mais próximos, como é que se espera que a vida volte à normalidade?
Que normalidade é esta que obriga a que, pela primeira vez, a nova geração não se ocupe da anterior geração, ou melhor: que se iluda com a ideia que está a proteger a mais velha geração ao não se aproximar dela.
O mistério da vida não pode ser equiparado à hipocrisia quando se fala em liberdade de circular, desde que se utilize máscara e se mantenha uma distância considerável do próximo e não exista contacto físico.
O mistério está em entender por que carga d’água é que as pessoas aceitam que se lhes venda uma liberdade que lhes foi anteriormente retirada, agora com limitações?
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Voltemos à nossa realidade mental, para tentar perceber as nossas incoerências, aquilo que nos faz ter a certeza que temos sempre razão.
Essa razão está condicionada aquilo que conhecemos, às regras que conhecemos aos gestos repetidos sempre com as mesmas consequências.
Por exemplo: sabemos que se insultarmos um polícia, o resultado não é agradável.
Agora: imaginemos que não estamos certos, e que depois de insultarmos um policia ele nos dá um abraço, com genuína gratidão.
Uma situação similar é a nova realidade que se está a viver nos mercados financeiros. Aquilo a que tentativamente se tem designado como uma nova era desde o final dos anos 90 do século passado e que passou a ser uma piada com os sucessivos falhanços. A realidade é que estamos efectivamente numa nova era em que coisas que eram impossíveis agora acontecem.
Por exemplo: em Abril, o preço do petróleo foi negociado a menos 40 dólares. Imagine que o preço da bica passava a ser menos 50 cêntimos, e o almoço no restaurante, menos 12 euros.
Tendo em conta que os juros já estão negativos faz algum tempo, fazendo com que na prática quem pede dinheiro, recebe; e quem tem dinheiro, paga, isso quererá dizer que para outros produtos, como os referidos acima, no futuro, os vendedores terão que pagar para os compradores comprarem?
Procuro uma referência nos últimos 64 anos da minha vida e não encontro. Nem por experiência própria, nem por conhecimento alheio, nem por leitura romanceada, nada de similar. Sinto-me perdido nesta nova era: parece ser verdade, mas é para mim um verdadeiro mistério.
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Trinta anos atrás, a indústria financeira deveria representar 10% dos resultados das empresas no máximo. No início deste século, representava 40%. As pessoas tinham contas bancárias e eram remuneradas por elas.
Empresários precisavam de poupança para lançar novos negócios, ou tinham que pedir financiamento – que tinha um custo importante.
Neste processo gradual, mas sem actores novos, algo de fundamental foi mudando, sem que ninguém tivesse verdadeira consciência. Isso é um mistério também.
O dinheiro poderia ser obtido directamente dos bancos, com a ajuda dos bancos centrais, sem que esse dinheiro tivesse sido ganho – e muito menos poupado.
Depois de 2008, a taxa de juros acentuou a sua baixa até se tornar negativa em alguns países. Os bancos centrais começaram a injectar biliões no sistema financeiro dizendo que era na economia. Os activos nos bancos passaram a representar em média 5 vezes o PIB dos respectivos países.
Para pessoas como eu, com mais de 60 anos, é sabido que tudo o que sobe, desce, e tudo o que desce volta a subir. Por isso se diz que não há mal que sempre dure, ou como se diz agora: vai ficar tudo bem.
Mas receber por pedir emprestado e receber por comprar petróleo confunde-me da mesma forma que aquelas pessoas que se iniciam em derivados se confundem quando se lhes diz que podem entrar curto no mercado com um CFD vendendo uma acção antes de a comprar.
Nunca me surpreendeu essa confusão, porque não é natural vender algo que não se tem. Mas não entendo como é possível comprar petróleo e receber dinheiro. Isso definitivamente não é natural. É um mistério, porque o petróleo é um activo, uma matéria prima essencial para muitas indústrias que se transforma numa responsabilidade – quando, ao comprá-la, ainda recebemos dinheiro.
Se a moda pega, os produtos agrícolas que são produzidos em excesso talvez venham a ser oferecidos pelos produtores e ainda ofereçam dinheiro para que os compradores os levem.
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O mundo parece estar louco. No entanto, esta é a realidade dos últimos 4 anos em alguns países, provando que é possível ter dinheiro sem custo, demonstrando que é possível fazer subir os mercados artificialmente – só havendo o problema de o fazer de um modo desorganizado que não beneficia todos da mesma forma.
Estes são os sintomas de um sistema monetário envelhecido, com cada vez maiores divergências entre o valor de bens tangíveis e o valor de produtos financeiros.
E eis que surge um vírus que obriga ao fecho da economia. No preciso momento em que 50% do ocidente não poupa para a sua velhice, certamente porque acreditam em não ser necessário poupar – seguindo certamente o mesmo raciocínio que os leva a pensar que não é preciso estar preocupado com uma economia que está parada por causa do confinamento.
“Pensaremos numa solução”, ouvi dizer a pessoas que raramente pensam.
Eu espero que sim, que pensem numa solução, mas que não seja aquela que todos parecem querer: mais dívida.
Parece que já ninguém se lembra de taxas de juro a 8 e a 16%. Só porque agora vivemos uma nova era. Mas, se por acaso esta não for uma nova era, então as consequências podem ser dramáticas.