Nos últimos anos 25 anos, a proporção do rendimento das famílias portuguesas destinado à poupança apresenta uma tendência descendente, registando um mínimo histórico em 2017, apenas 6,8%. A evolução, desde 1995, pode ser observada na seguinte figura.
Podemos, igualmente, constatar que o declínio da poupança das famílias portuguesas acentuou-se a partir da introdução do Euro em Portugal, isto é, quando o Banco Central Europeu passou a comandar os destinos da política monetária portuguesa em 1999.
Esta tendência é profundamente preocupante, atendendo a importância da poupança para a prosperidade de um país. Sem poupança não existe investimento e acumulação de capital, essencial ao incremento da produtividade, caso contrário, a subida do rendimento, isto é, dos salários, torna-se impossível.
Para ilustrar a importância da poupança, vamos utilizar um exemplo. Vamos imaginar que o leitor se encontra numa ilha deserta. Segundo os seus conhecimentos, é o único habitante dessa ilha – está claro que se deseja sobreviver vai “ter que se fazer à vida”.
Imaginemos que a construção da lança de caça e da cana de pesca irá exigir três dias de trabalho, ou seja, um total de 18 horas (6 horas durante três dias); neste caso, previamente à sua construção, terá de trabalhar durante três dias e realizar uma poupança diária de 50 peças, por forma a completar as 150 peças de fruta.
Com a construção da lança de caça e da cana de pesca, a sua vida na ilha irá melhorar substancialmente. Por essa razão, a acumulação de bens de capital permite incrementar substancialmente a nossa qualidade de vida: máquinas, computadores e carros, são um bom exemplo de bens de capital que incrementam o número de bens e serviços que podemos produzir por hora. Um engenheiro informático a viver nesta ilha deserta terá a mesma produtividade que um analfabeto, atendendo que não existem bens de capital. Essa é a principal razão porque um engenheiro português recebe menos em Portugal que na Alemanha, atendendo que no primeiro a acumulação de capital per capita é menor que na Alemanha.
Como vimos no nosso exemplo, a poupança é uma restrição de consumo, com o propósito de obter um benefício superior no futuro. Neste caso, o leitor tem como propósito obter um maior número de bens de consumo, bem como um leque mais alargado de opções: peças de fruta, carne e peixe.
Caso contrário, o leitor não podia trabalhar durante três dias: não dispunha de peças de fruta – simplesmente seria incapaz de sobreviver.
O objectivo de qualquer investimento é a obtenção de bens de capital, neste caso, uma lança de caça ou uma cana de pesca. Estes instrumentos não satisfazem uma necessidade humana, mas são um passo intermédio à sua obtenção: neste caso, carne e peixe. Numa sociedade complexa como a nossa, a produção de um carro, por exemplo, envolve várias etapas, em que distintos bens de capital são utilizados ao longo da cadeia de produção (computadores, robots, linhas de montagem…).
A construção de bens de capital por parte dos seres humanos visa um futuro melhor: mais quantidade e variedade de necessidades satisfeitas. Basta olharmos à nossa volta: computadores, fábricas e estradas. Sem a acumulação de bens de capital, o progresso humano não seria possível. A riqueza de uma determinada comunidade é a capacidade instalada para produzir bens de consumo e serviços.
O investimento tem sempre riscos. E porquê? No nosso exemplo podia existir uma multiplicidade de riscos. Vamos supor que já existia uma cana de pesca de um anterior habitante; neste caso, de nada lhe tinha servido ter passado três dias a trabalhar. Imaginemos que, ao contrário do inicialmente pensado, existem habitantes no outro lado da ilha que, em lugar de pacíficos e abertos a trocas comerciais, são agressivos e têm por hábito agredir e assaltar o trabalho dos outros. É exactamente o que acontece numa guerra ou numa ditadura fiscal, como a actual em Portugal, em que a riqueza e a produção dos cidadãos são confiscadas impunemente; neste caso, não existe incentivo a investir, dado o temor de um confisco.
Adicionalmente, vamos imaginar que ao caçar os javalis, após ter construído a lança de caça, o leitor apercebe-se que a carne é impossível de digerir, pois não lhe agrada o sabor. Isso é o que acontece quando os consumidores mudam as suas preferências; neste caso, o empresário esteve a preparar e a construir uma fábrica, a julgar que o produto que ia colocar no mercado era muito desejado, mas, afinal, tal não se verifica: todo o esforço foi em vão! Este é precisamente o risco empresarial que muita gente parece não compreender.
Ao aparecer o mercado da poupança, isto é, a existência de oferta e procura por poupança, onde o preço é a taxa de juro, surgiu a necessidade da existência de um intermediário: o banco. Vamos supor que o leitor tenciona aplicar a sua poupança e propõe o seguinte negócio: aceito emprestar 10 mil euros a uma taxa de juro igual ou superior a 5%. Como poderá saber quem está disponível para aceitar a sua proposta de negócio? Por outro lado, caso existam pessoas interessadas em realizar o negócio por si proposto, de que forma o leitor poderá avaliar o risco destes possíveis mutuários? Este é precisamente o papel tradicional dos bancos: intermediar a poupança. Se a oferta de poupança é elevada, a taxa de juro desce; caso contrário, sobe, tal como funciona qualquer mercado.
Infelizmente, o negócio bancário tornou-se uma absoluta fraude. Com o decorrer do tempo, os banqueiros, apercebendo-se que os clientes aceitavam as suas notas para pagamento, começaram a conceder crédito a clientes sem existir a respectiva poupança. Como funciona tal método? Se um banqueiro emite notas por cada Kg de ouro depositado, significa, por exemplo, que a sua caixa-forte possui 1000 Kgs e, por conseguinte, emitiu 1000 notas de 1Kg. Se a comunidade começa a confiar nas suas notas para realizar os pagamentos, o banco pode decidir realizar o seguinte: conceder um empréstimo correspondente a 20 Kgs de ouro a um empresário, emitindo 20 notas, sem a existência de uma poupança.
Porque motivo realiza tal operação? Se existisse um cliente que decidisse realizar um depósito a prazo de 20 Kgs de ouro durante dois anos, remunerado a 5%, o banqueiro podia emprestá-los a 9% ao empresário e ganharia 4%; no entanto, pode ganhar 9% através da simples emissão de notas! É o conhecido sistema de reservas fraccionadas.
Para implementar tal candonga, os bancos necessitaram de um banco central para coordenar e orquestrar este sistema fraudulento. Quanto maior a dimensão do Banco Central, maior a dimensão da patranha. A necessidade de mega bancos centrais deveu-se aos enormes custos associados à democracia e ao estado social. Por outro lado, o desaparecimento do ouro como moeda em 1971, abriu caminho para a impressão de moeda sem limites. Agora, através de um simples computador, emite-se moeda e concede-se crédito, sem qualquer necessidade da existência de poupança. A sociedade passou a associar crédito a uma impressora de notas: os Bancos Centrais têm sempre uma solução milagrosa na manga!
Com o desaparecimento do ouro do sistema monetário em 1971, o ritmo de crescimento da dívida pública norte-americana mais do que duplicou, com o rácio da dívida pública vs. PIB a atingir 107% (fonte: Reuters) no final de 2019, tal como podemos verificar na seguinte figura.
O mesmo se passou com o aparecimento do Banco Central Europeu. Entre 2000 e 2018, Portugal registou um crescimento da dívida per capita de 5% ao ano, mais do que duplicando a dívida per capita durante esse período.
Quais as razões deste descalabro? Se um Banco Central decide reduzir as taxas de juro para valores próximos de 0%, dá um sinal errado à população, em particular nos países com uma reduzida acumulação de capital per capita, como Portugal. Ou seja, se o mercado fosse livre e a taxa de juro que resultasse da livre procura e oferta fosse, por exemplo, de 10%, e, de repente, um burocrata determina que passa a ser 1%, qual o sinal que resulta deste novo preço? Existe uma enorme quantidade de poupança, ou seja, as maçãs do nosso exemplo são abundantes, por essa razão não vale a pena poupar!
Podemos utilizar o exemplo do mercado imobiliário em Portugal para melhor ilustrar o drama que estamos a viver. Após o 25 de Abril, a inflação foi altíssima, chegando a valores próximos de 30%, no entanto, a legislação não permitia aos proprietários dos imóveis actualizar o valor das rendas, ou seja, o preço passou a ser muito inferior ao preço que resultava de um mercado livre: resultado? Deixou de haver qualquer interesse em oferecer casas para o mercado de arrendamento (oferta de poupança), resultando na ruína total dos imóveis. É precisamente o que está a acontecer na actualidade: os portugueses não possuem qualquer estímulo a poupar!
Para conseguirem reduzir artificialmente as taxas de juro e ajudar estados em apuros, os bancos centrais emitem moeda do “nada” e compram obrigações emitidas por esses estados, elevando o seu preço e reduzindo a taxa de juro. Por essa razão, actualmente, Portugal paga uma taxa de juro de -0,48% (dívida emitida com o prazo de 1 ano); ou seja, os credores em lugar de cobrar juros, pagam ao estado português!
Para agravar o problema, o dinheiro impresso pelos bancos centrais tem sido canalizado para os mercados financeiros norte-americanos, tal como podemos observar na seguinte figura. Entre o final de 2007 e finais de 2018, o investimento de 100 USD iria valer 304 USD, caso fosse aplicado no índice Nasdaq 100; em Portugal, ocorreu precisamente o contrário: no final de 2007, o investimento de 100 EUR no PSI 20, no final de 2018, valeria apenas 36 EUR, perdendo 64% do seu valor!
A crise do BES em 2014, incrementou a desconfiança dos portugueses no mercado de capitais, apesar de possuirmos a maior quantidade de regulação sobre o mercado de capitas da história. A % do PIB aplicada no mercado bolsista em Portugal é muito inferior à média Europeia, retirando a possibilidade de os portugueses se beneficiarem de mercados bolsistas que registam máximos todos os dias, como se está a passar nos Estados Unidos.
Os mercados de capitais têm sido das poucas armas que os particulares possuem contra a enorme inflação introduzida pelos Bancos Centrais, que não param de dizer que não existe inflação, apesar das enormes subidas de preços das casas, dos passes de jogadores, da arte e do mercado de capitais!
Na seguinte figura, podemos observar que todas as valorizações nominais resultam da enorme massa monetária introduzida pelos bancos centrais. Entre 1970 e 2020, o índice S&P 500 medido em onças de ouro caiu de preço! Baixou de 2,4 onças para 2,1 onças de ouro!
Num regime de Bancos Centrais absolutamente alucinados, propondo taxas de juro negativas, e mercados de capitais a registar constantes máximos, as pessoas necessitam de se proteger de tal contexto.
Isto é o que vamos discutir no próximo dia 26 de Março, num evento dedicado à poupança e ao investimento.