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Alavancagem em excesso

Temos recebido muitos ‘emails’ de leitores que comentam o artigo sobre a constituição de um banco central da segurança social. Um deles merece ser referenciado e diz: ‘”Os governos e a Europa só disponibilizam dinheiro quando acontecem acidentes, nesse momentos aparece sempre o dinheiro que é preciso’”. (M. Trindade)

Alavancagem em excesso

Esta observação é muito interessante, porque nunca me tinha ocorrido que as pessoas pensassem que os governos estão sentados sobre uma enorme quantidade de dinheiro e que só o disponibilizam nestes momentos de crise. É, por isso, um bom tema para iniciar a explicação para a necessidade de um banco central da segurança social.

A primeira coisa que gostaria que as pessoas entendessem é que são os cidadãos que ajudam os governos e não os governos que ajudam as pessoas. Para aqueles que têm dúvidas políticas, recordo o famoso discurso do falecido presidente Kennedy em Berlim, em Junho de 1963, em que ficou famosa a frase ‘perguntem-se o que podem fazer pelo país e não o que o país pode fazer por vós’.

Para os que têm dúvidas económicas, recordo que o Estado é sempre deficitário e tem vindo gradualmente a aumentar o seu endividamento, que actualmente é já de 130% da riqueza do país.

Esta ideia peregrina de que os governos podem solucionar todos os problemas, como se fosse um conhecido muito rico que tem dinheiro para solucionar tudo, tem sido um processo evolutivo que se tornou mais acentuado desde o início desde século, e é a razão porque nos encontramos em termos económicos e financeiros na situação actual.

É fundamental, mesmo muito importante, que se compreenda que os governos só têm aquilo que podem retirar aos cidadãos através dos impostos e, ou endividando-se, que será também mais uma responsabilidade futura dos cidadãos.

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Imagino que as pessoas não liguem quando todas as semanas se diz na televisão e nos jornais que ‘Portugal foi ao mercado’, porque não têm que olhar para o extracto como se fosse a sua prestação do crédito à habitação, e até compreendo porque o mesmo se passa por vezes dentro do mesmo agregado familiar quando um dos membros não é tão zeloso com as suas responsabilidades.

Talvez faça parte da natureza humana,  mas isso não impede que o custo venha na mesma parar aos contribuintes.

Saber como funciona o dinheiro é fundamental para se poder depois entender as políticas a que estamos sujeitos, mas nada disso é possível sem conhecer o funcionamento do dinheiro e o papel do banco central.

Comecemos, portanto, por aqui, tentando falar com objectividade. Estamos no meio de uma crise de saúde pública que ameaça ser o início de uma crise económica, aquilo a que se chama um processo deflacionário.

As crises são situações normais recorrentes, tal como a febre, que servem para alertar e corrigir aquilo que vai mal.

A forma como reagimos às crises é um processo político.

Já vimos e ouvimos alguns políticos dizer, ultimamente, que os bancos estão muito mais capitalizados, e que a situação em 2020 é melhor que em 2008.

Curiosamente, em termos de saúde pública já disseram que esta situação do vírus é equivalente à segunda Guerra Mundial nos impactos que está a ter na sociedade, mas não é bem assim em nenhuma destas declarações.

A solução encontrada em 2008 para um problema de dívida foi criar mais dívida e não passaria pela cabeça de ninguém solucionar o problema de um drogado com mais droga.

Também, em 2008, na realidade alguns dias antes da crise, os mesmos políticos responsáveis à data afirmavam estar tudo bem e não haver razões para preocupações.

Todavia, depois, os bancos começaram a falir, e só não faliram todos porque o banco central aplicou à época o maior resgate da história em vez de nacionalizar a banca.

A sugestão de nacionalizar a banca não é inocente, porque teria sido mais transparente. Uma nacionalização colectiviza a empresa, mas a opção foi socializar os prejuízos, o que é manifestamente diferente.

Na segunda Guerra Mundial, o outro ponto referido, o que tivemos foi a destruição da capacidade instalada. As fábricas não produziam bens de consumo, tudo era feito em função da guerra, e não havia consumo, nuns casos por causa da necessidade de esforço de guerra e, em outros, porque estando na frente de combate não podiam gastar dinheiro.

A história não refere que os governos dos países em guerra tenham prometido, aos seus cidadãos, subsídios pelo momento difícil que estavam a viver, nem subsídios às empresas. O que fizeram foi emitir obrigações (dívida) que foram subscritas pelos cidadãos para pagar o custo da guerra, fazendo apelo à poupança das famílias.

E isso ficou claro, as pessoas sabiam que estavam a investir para pagar a dívida criada pela guerra e recebiam uma remuneração pelo esforço de aforro que estavam a fazer. Claro que esta era a maneira como a economia era entendida à época:

Funcionava com poupança e estava limitada pela capacidade de aforro.

Na nova teoria monetária agora existente, o dinheiro teria sido criado pelos bancos centrais. Como? Os bancos teriam subscrito a dívida emitida pelo Estado, esta dívida seria trocada por dinheiro criado pelo banco central e este dinheiro entra na economia, através da avaliação que o banco possa fazer da economia real com mais ou menos risco, dependendo das oportunidades e das condições das diferentes empresas. Com o sistema de reservas fraccionárias, o crescimento não tem limite.

Actualmente, o que temos é a paralisação da economia com a suspensão da capacidade instalada, ou seja, as empresas não produzem e não vendem, mas têm que assumir as suas responsabilidades com bancos colaboradores, Estado e fornecedores.

É, realmente, um pouco como na guerra mas em tempo de paz, com os governos agora a dizerem que vão fazer empréstimos às pessoas e às empresas, mas com o tal dinheiro criado pelos bancos centrais.

E  é aqui  que se gera a confusão. O sistema imunitário da economia tem sido atacado nos últimos 20 anos com um vírus de taxa de juro zero ou negativa e multiplicação de dinheiro criado pelos bancos centrais. Este vírus tem debilitado a poupança das famílias e das empresas e atacado o seu sistema central fazendo-os acreditar que é possível viver assim eternamente.

O sistema central nervoso afectado pelo vírus leva estas pessoas a reagirem de forma alterada comprando aquilo que não precisam com dinheiro que não têm.

Os gestores das empresas especulam, sobreendividando-se, fazendo apostas de cada vez maior risco, pagando maiores salários e distribuindo maiores bónus, enquanto o Estado aproveita para cobrar mais impostos.

A carta aberta de um gestor da Padaria Portuguesa é um bom exemplo, a sua confusão resultante da sua virose leva-o a sugerir a socialização dos prejuízos, mas não a ‘nacionalização’ da Padaria. Isto, obviamente, não é capitalismo.

Numa economia capitalista, o capitalismo assumiria as suas responsabilidades, tentaria alienar algumas padarias para fazer face a compromissos, teria que libertar responsabilidades e os colaboradores são responsabilidades, tentaria captar capital e se não fosse capaz de equilibrar as finanças encerraria.

Existe um aspecto moral muito importante no capitalismo que se tem vindo a perder com o tempo e esse aspecto é o conhecimento que se adquire com os erros cometidos. Perdido este aspecto moral do capitalismo o que temos é a continua repetição dos mesmos erros, porque eles não têm consequências.

Afinal de contas, a criação de dinheiro é ilimitada, qual pode ser o problema?

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São vários os problemas. É gerador de inflação, induz mais poder governamental, mais influência política e mais controlo do sistema produtivo, mas o maior problema como se compreende é que este dinheiro não chega a todos da mesma maneira, uns podem escrever cartas abertas, outros têm as coisas organizadas para poder tirar partido destas situações e outros recebem 66% do seu salário ou vão para o desemprego.

Em sentido figurado, temos o colapso de uma ponte e destacamos auxílio para os que caíram ao rio, uns morreram outros sobreviveram, discutimos subsídios para os carros e camionetas que foram destruídos na queda, ajudas às pessoas que agora terão que atravessar o rio com custos acrescidos mas ainda ninguém se perguntou porque raio aquela ponte cedeu e quem foi o responsável por ela ter cedido.

A ideia de criar um novo Banco Central da Segurança Social tem como intuito, utilizar os artifícios da moderna teoria económica (MME), que actualmente, como vimos, está vocacionada para defender os interesses de poucos em detrimento de muitos.

Este banco central teria como objectivo garantir que haverá sempre um rendimento mínimo disponível para todas as pessoas. Já estou a ouvir uns engraçadinhos dizer que é só trocar o nome e que nada muda. Nada de menos verdade.

Um banco central tem poder simplesmente porque são eles que disponibilizam o dinheiro. Quando a Comunidade Europeia diz que autoriza os países a não respeitarem os limites de dívida é o banco central que vai permitir isso.

A partir desse momento são os lobistas que começam a trabalhar, e o dinheiro vai correr melhor para uns lados em detrimento de outros. Um Banco Central da Segurança Social deve ser apartidário e independente, mas não independente como os actuais bancos centrais que têm a independência para beneficiar uns em detrimento de outros.

Para garantir essa independência e limitar o poder inerente a quem pode criar dinheiro, a única coisa que deve fazer é garantir um rendimento mínimo a cada pessoa, directamente ligado a uma contrapartida de ocupação comunitária com trabalho ou com aproveitamento escolar.

As contas das pessoas no Banco Central da Segurança Social deverão ser individualizadas e na primeira fase (transição do sistema) irão permitir a troca de dívida por capital, ou seja, os indivíduos poderão trocar as suas dívidas por amortização do capital em dívida.

Este processo permitirá capitalizar os bancos e fazê-los recomeçar um novo ciclo com novas regras.

Mas quais são essas novas regras?

  1. Operar com 100% de reservas
  2. Operar sem o conforto de um banco central que fornece liquidez ou retira liquidez
  3. Operar sem Fundo de garantia. A mutualização do risco não deve onerar novos operadores, e o risco não pode ser ocultado aos intervenientes
  4. Criação de um mercado interbancário livre e transparente
  5. Imposição de uma quota de mercado limitada a 5%

Voltando ao exemplo da Padaria Portuguesa, se o sector bancário fosse livre e dinâmico e não estivesse concentrado, seria possível ao gestor da Padaria visitar pelo menos 20 bancos com quem poderia discutir planos de recuperação. Nas actuais condições, não pode certamente pedir mais dinheiro aos bancos que já estão a assumir o actual risco.

Os bancos com quem está actualmente a trabalhar não têm nenhum incentivo em fazerem um esforço para encontrar soluções.

A Padaria apresentou dois milhões de resultados líquidos em 2018, mas no final do primeiro mês de crise não tem condições para manter os 1.200 empregados e deveria ser-lhe permitido viabilizar a sua empresa gerindo o seu risco humano sem a carga emocional do estigma do despedimento.

Por outro lado, existe um dado que não foi comunicado nem é publico que é o nível de endividamento da empresa e que, certamente, asfixia as outras responsabilidades.

Numa economia sã, os bons anos devem servir para nos defendermos dos anos maus e isso não deve ser uma anomalia, porque depois do verão vem sempre o outono, depois de um dia vem sempre uma noite.

Mas a Padaria e o seu negócio não têm forçosamente de desaparecer. Se o local é bom, se tem clientes e se dá lucro, alguém estará interessado em tomar o lugar. Num sistema capitalista, os gestores e os accionistas pagam os erros cometidos, perdendo dinheiro e o lugar que mantinham, pelo menos era assim que funcionava, e é assim que pode e deve voltar a funcionar para fomentar uma cultura de meritocracia.

Esta proposta não é punitiva para o capitalista. Tal como no monopólio é um voltar à casa de partida, mas com o valor acrescentado do conhecimento do erro cometido.

As empresas ligadas ao turismo, os hotéis, por exemplo, não vão poder evitar despedir pessoas, tendo em conta que 300.000 turistas abandonaram Portugal em Fevereiro e não foram substituídos por novos turistas em Março.

Previsivelmente, as pessoas não poderão viajar durante muito tempo e Portugal está vocacionado para receber mais de 20 milhões de turistas estrangeiros, que eventualmente não irão aparecer.

As ajudas são bem intencionadas, mas distorcem a concorrência. Uns receberão mais que outros. Ajudas distorcem a competitividade e a inovação empresarial, que é preciso preservar. O que é preciso é um sistema que proteja os cidadãos.

Actualmente, é a segurança social, mas que, como todos sabemos, não tem o dinheiro suficiente para estas situações e está a ser um peso excessivo nas empresas apesar de necessário. O resultado é as pessoas sentirem-se enganadas e desprestigiadas. O mesmo com os fundos de garantia que numa situação extrema não garantem nada.

Um Banco Central da Segurança Social permite garantir a transição deste sistema, que privilegia essencialmente os bancos e o Estado, para um novo sistema monetário, que liberte as pessoas do risco de sobrevivência e liberte os bancos ao devolver-lhes as suas prerrogativas originais, de intermediarem poupança, com clareza de risco e sem garantias fictícias.

Liberta o Estado da necessidade de taxar tudo e todos sob todas as formas e liberta-o da responsabilidade de dar dignidade à vida humana com a garantia de que todos terão um rendimento mínimo garantido, mas com a responsabilidade de todos contribuírem para a sociedade.

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