Temos estado todos muito preocupados com a Covid-19, mas, esta semana em que se começou a vacinar a população no Reino Unido e a discutir o plano de vacinação em Portugal, já se pode constatar que as televisões comentam outros temas, nomeadamente dos auxílios económicos às empresas, “da bazuca europeia”, as eleições presidenciais e o botão de pânico no SEF.
Não sei se já não interessa verdadeiramente aos media repetir a mesma contagem de mortos e contaminados dos últimos 9 meses, ou se outro motivo os fez mudar o guião, mas o certo é que ficamos todos mais aliviados e agradecidos.
Quem não está mais aliviada é a economia, mas é aqui que se pretende fazer crer que o mundo mudou, e em rigor existem diferenças.
Na crise anterior o guião era o seguinte:
Este guião foi utilizado para a Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha; chegou a ameaçar a Bélgica, não se sabendo em que país iria parar. Mas parou!
Parou apenas para os países do sul da Europa e Irlanda; em consequência, daí adiante, ficaram identificados apenas pela sigla PIGS.
Na realidade, quase todos os países padeciam e padecem da mesma doença: o excesso de endividamento. Mas o que é facto é que parou nos PIGS e ainda bem que assim foi, atendendo que os mecanismos de resgate não estão preparados para resgatar todos os países ao mesmo tempo.
De onde viria o dinheiro para isso?
É como o fundo de garantia de depósitos que está preparado para garantir a falência de um ou outro banco isolado, mas não está preparado para garantir a queda de todos os bancos.
Desde a última crise ficou-se a saber que quem tem dinheiro para resolver estes problemas são os bancos centrais. Perceberam que o sistema financeiro mundial utiliza as dívidas soberanas como reservas bancárias e base monetária, e que mantendo isso em equilíbrio não deveria haver problema.
Tudo funciona na base da confiança e os bancos centrais perceberam que essa confiança pode ser ajudada para não afectar a confiança global, manipulando as taxas de juro e comprando dívida pública com dinheiro criado do nada.
E assim o mundo mudou. Agora, o Guião agora é diferente:
Parece que o mundo mudou ao eliminar o problema do dinheiro. Seria bom que assim fosse, porque o dinheiro capacita, mas também limita:
O dinheiro tem a particularidade de funcionar na base da confiança para funcionar correctamente, e não tem mais nada em consideração. É um conceito simples.
Se algo não gera confiança é porque gera desconfiança e imagino que fechar a população produtiva, para alegadamente proteger a população não produtiva (os idosos), seja gerador de desconfiança para o dinheiro.
Mas o dinheiro é também aquilo que define o relacionamento entre pessoas ou países: um manda o outro obedece, um deve o outro é credor.
Natural portanto que Portugal tenha que obedecer, porque recebe e é devedor e não um dos países credores.
Só que o que se está a criar é divida disfarçada de dinheiro, e a dívida está a enfraquecer a democracia. Dívida não é riqueza.
O endividamento significa pedir emprestado à prosperidade futura para consumir hoje. É o oposto de riqueza.
Entendo que é muito difícil manter a clareza de espírito, quando o que está em causa é saber se o dinheiro chega para resolver o problema imediato. A maioria de nós passou a estar tão sobrecarregado com as nossas próprias responsabilidades, que a vida ficou tomada pela política, numa democracia condicionada pelo endividamento.
Esta influência política é uma tendência que vem de trás e que se tem acentuado em detrimento da liberdade.
Fomos evoluindo para uma sociedade que deixou de tolerar a existência do erro, do risco e do mal e passou a procurar uma certa segurança com a “garantia” do Estado que em caso algum se pode recusar.
Protecção contra as drogas, o tabaco, o álcool, os cintos de segurança, a idade dos carros, os seguros obrigatórios, a segurança no trabalho, a segurança social, para nos proteger do desemprego e da doença, a polícia municipal, a de segurança pública, a judiciária, a secreta, a polícia fiscal, a ASAE, os ‘whistleblowers’, o INEM, os bombeiros, os fiscais, os reguladores, a autoridade para a protecção civil, as outras autoridades de protecção e também a DGS com máscaras e distanciamento social ou ainda limite de circulação.
Agora para entrar num restaurante medem-nos a temperatura. Existe indiscutivelmente uma cumplicidade mesmo que involuntária na opressão exercida pelo Estado.
Qualquer cidadão que se pretenda livre, ou seja, não cumprindo com a civilidade vigente, é considerado um delinquente em potência, porque o Estado tomou a si como propósito criar uma tipificada forma de estar.
Quem não cumpre essa dita civilidade sofre repressão.
A busca da felicidade deixou de ser tarefa do domínio individual para passar a ser domínio estatal.
Maior é a dependência do Estado, maior é a legitimidade da actuação da classe política.
Resultado, a concepção política dominante passou a ser: cabe ao Estado resolver todos os nossos problemas. O curioso é que o mesmo se passa entre estados na Europa.
Portugal assume que cabe à Europa resolver os nossos problemas.
Um país tomado pela política, quando se está em democracia, é uma coisa subtil; porque a democracia é supostamente sinónimo de liberdade. Ora a política em democracia e o seu desígnio, que é o poder, tem actualmente a ver com tudo menos com liberdade.
A esquerda abandonou a liberdade como projecto; a direita abandonou a liberdade como tradição.
São agora poucos os que preferem a liberdade, em detrimento dos muitos que preferem a submissão ao mundo como ele está, pelo que será bom recordar Benjamin Franklin que disse: “Aqueles que abdicam de liberdades essenciais em troca de um pouco de segurança temporária não merecem nem a liberdade nem a segurança”.