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ONDE FALAMOS DE BOLSA
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Ensaio sobre divida (parte 3)

A consciência de que o sistema actual está a entrar em colapso é visível nos muitos remendos legislativos e regulamentares que estão a ser feitos no mundo Ocidental em particular na Europa e nos Estados Unidos, mas começam a ser notadas decisões mais ousadas que merecem referência. O governo croata, por exemplo, decidiu em Fevereiro de 2015 que credores de cidadãos mais pobres vão, pura e simplesmente proceder à anulação dessas dívidas….. para que “tudo comece de novo”. Esta medida terá um custo de 280 milhões de euros e vai atingir sessenta mil croatas. Imaginar-se-á a dimensão da questão moral quando se impõe tal medida aos credores dos cidadãos mais pobres. Os que cumpriram com as suas obrigações não tiram da medida quaisquer benefícios, mas os que não souberam ou não puderam cumprir para manter um endividamento equilibrado vão ter agora uma segunda oportunidade. Este conceito, aplicado na Croácia, não é novo. O que é novo é o facto de ser uma medida avulsa.
Na religião hebraica o Jubileu é um preceito da lei do profeta Moisés que determinava a cada 50 anos uma solenidade pública na qual as dívidas eram perdoadas. A religião entendia que a ganância e outros sentimentos adquiridos conduzia as pessoas a uma forma de jugo desigual e ao aprisionamento dos direitos dados por Deus a cada um, e daí, a necessidade do Jubileu para que a cada 50 anos houvesse um novo começo económico e social. Na época esta era a solução adequada para um conhecimento já existente de que as pessoas faziam mau uso da sua liberdade. O Jubileu permitia-lhes manter a humanidade livre.

Mas, regressando aos dias de hoje, começam a ver-se cada vez mais sugestões para resolver o actual problema de divida.
Steve Keen professor universitário australiano é um apologista de um Jubileu dos dias modernos com um Quantitative Easing para o público em geral em vez daquele que tem sido aplicado para os bancos. Na prática, dinheiro dos Bancos Centrais directamente para os cidadãos com uma condição prioritária: que esse dinheiro sirva para o pagamento das dívidas relativamente aqueles que as têm. De forma resumida, os que têm dívidas são obrigados a amortizar o seu endividamento, os que não têm dívidas recebem uma injecção de liquidez.
Como curiosidade, o entendimento que Steve Keen tem de que os bancos Centrais elaboram em erro, ao honrarem dividas que nunca deveriam ter sido criadas, ou melhor, que só o foram com o intuito de gerarem comissões para os bancos. Segundo ele, os verdadeiros responsáveis pela divida má são os bancos, porque são eles que, sendo profissionais, estão em melhores condições de avaliar o risco.

Um artigo na ‘’Foreign Affairs’’ da autoria de Mark Blyth e Eric Lonergan propõe que os Governos distribuam ….dinheiro por todas as famílias que representem 80% do leque dos rendimentos mais baixos, de forma igualitária . A racionalidade desta medida está no facto destas famílias serem mais propensas ao gasto e dessa forma a medida ajudaria a reanimar a economia. Este já era o raciocínio académico de Ben Bernanke antigo Governador da FED quando sugeriu em 1998 este remédio ao Japão. O conceito também não é novo já que em 1933 Keynes formulou uma proposta idêntica quando sugeriu que se enterrassem garrafas com notas em minas de carvão desactivadas para que fossem encontradas pelas famílias.

Estas medidas preconizadas por Bernanke aos Japoneses nunca foram aplicadas e o Japão tem agravado a sua situação desde 1989. Segundo os autores desse artigo, distribuir dinheiro pelas famílias seria a primeira verdadeira inovação em politica monetária, desde a criação de um banco central, sem no entanto se afastar muito do “status quo”. No fundo, o que pretendem dizer com isto é que a distribuição de dinheiro deveria passar a fazer parte dos instrumentos de politica monetária.

Também pessoas com responsabilidades, como Cristine Lagarde do FMI, têm a noção de que existe uma imperiosa necessidade de alteração quando afirmou em Davos ser necessário um novo sistema mas sem concretizar, ou Mervyn King antigo governador do Banco Central de Inglaterra que disse que ‘’é do interesse colectivo reduzir a dependência da sociedade de um número reduzido de instituições financeiras que actuam em tantas frentes e todas com risco. O resgate bancário criou um enorme risco ‘’moral’’.
É visível em muitas outras propostas que vão sendo apresentadas por académicos e não académicos e também visível nos muitos movimentos e organizações que se propõem alterar o modelo existente. Por exemplo, em Inglaterra, o movimento Positive Money, (www.positivemoney.org) tem como missão democratizar o dinheiro e o sistema bancário com o intuito de o fazer trabalhar para a sociedade e não contra a sociedade.
‘’Este movimento reconhece que o sistema existente origina bolhas, faz aumentar os níveis de divida privada em relação ao rendimento e faz aumentar as desigualdades. O aumento do número de crises e de recessões é também da responsabilidade do sistema actual e indutor de falências bancárias e também de resgates.’’

Finalmente, ‘’acreditam que o sistema actual é pouco democrático porque requer que os impostos sejam altos e que as despesas do Estado ou os serviços sejam menores do que o poderiam ser, tendo em conta que nunca houve nenhuma decisão democrática que permitisse aos bancos criar dinheiro. Sendo certo que os Bancos não têm nenhuma obrigação moral de usar este imenso poder no interesse da sociedade, também é verdade que não existe nenhum mecanismo que agora os responsabilize quando esse poder é mal usado. ‘’

O objectivo desta organização é impedir a criação de dinheiro por entidades privadas, como acontece no actual sistema com os bancos, bem como impedir a criação de substitutos de dinheiro. Importa-lhes transferir o poder de criar dinheiro do sector bancário para um processo democrático, transparente e responsável que actue no interesse público. Finalmente, garantir que o novo dinheiro possa ser gasto na economia, livre da correspondente divida. Como solução, preconizam que só o Estado pode imprimir dinheiro e esse mesmo Estado deve estar sujeito a regras na criação desse dinheiro. ‘’O Estado pode escolher entre diferentes regimes de politica monetária, que vão desde o sistema em que a criação de dinheiro é fixa e como tal inflexível até a um sistema em que a criação monetária é flexível às alterações das condições económicas.’’

Existe um caso em tribunal no Canada muito interessante, porque está muito próximo da doutrina desta organização e que demonstra já ter sido aparentemente utilizado em termos práticos. O Comité para a Reforma Monetária e Económica (www.comer.org ) colocou o Banco Central do Canada em tribunal com o intuito de que este retome a prática abandonada em 1974 de oferecer empréstimos sem juros aos Governos Federal, Provinciais e Municipais  do Canada de acordo com o Bank of Canada Act. Este dinheiro usado em despesa pública deixou de ser contratualizado sem juros em 1974 com o Banco Central para passar a ser contratado aos Bancos privados com as taxas de juro em vigor no momento. A queixa prende-se com o facto do Banco Central do Canada ter deixado de fazer uso das suas prerrogativas de Banco Central e com isso estar a sobrecarregar o Estado Canadiano com os juros da divida contraída.

A proposta que fizemos em 2012 no livro ‘’Uma economia de faz de conta’’ e no livro um ‘’Capitalismo sem capital’’, sugeria-se substituir o Banco Central emissor por um Banco Central da Segurança Social. O objectivo era substituir divida por capital, actuando este Banco Central em benefício de todos, por ser da Segurança Social, mas actuando simultâneamente como banco emissor. Os actuais Bancos Centrais actuam, como já vimos, em benefício dos bancos e do Estado. Se apresentarem lucros eles revertem a favor desses Estados, mas o objectivo mais importante, actualmente, não é o lucro que possam realizar. O mais importante para os Bancos Centrais é manter o sistema monetário actual em funcionamento e para isso estão na disposição de aumentar o seu balanço para níveis que seriam impensáveis há pouco mais de 5 anos.

Um Banco Central da Segurança Social para além de Banco Emissor funcionaria como fundo da Segurança Social e por força disso não teria que estar preocupado com o seu balanço porque os seus activos seriam os fundos da Segurança Social, implicitamente em benefício de todos.
Paul Krugman em Janeiro de 2013 também apresentou uma solução pouco convencional, sem se preocupar com a confiança que o dinheiro deve merecer quando escreveu no New York Times:

“Existe uma brecha legal que permite ao Tesouro Americano cunhar moedas de platina de qualquer valor. Sim é verdade que foi criado com a intenção de cunhar moedas comemorativas mas não é o que a letra da lei diz. Ao criar uma moeda com o valor de 1 trilião de dólares e depositá-la na Reserva Federal o Secretário de Estado do Tesouro poderia fazer um bypass ao limite de endividamento sem criar nenhum problema económico.”
Os Estados Unidos são um devedor especial porque são os detentores da moeda de reserva mundial, o dólar, e são os únicos que podem imprimir essa moeda. Isso quer dizer que são o único país que paga as suas importações com a sua própria moeda.

Não se pense que se esgotam aqui as soluções ‘’out of the box’’. Um artista suíço de origem alemã de nome Enno Schmidt, é o líder do movimento’’ basic-income’’ ou rendimento mínimo. Schmidt considera este movimento, um movimento de direitos cívicos como o fim da escravatura porque diz que um rendimento mínimo permite dar dignidade e segurança aos pobres, especialmente aqueles europeus agora desempregados e permitiria, quem sabe, libertar o empreendedorismo que existe em todos nós. Em 2013 fez despejar de um camião 8 milhões de moedas, representando 8 milhões de cidadãos suíços, em frente ao parlamento, em Berna. Na mesma altura entregaram uma petição com 125.000 assinaturas exigindo um referendo sobre a entrega de um rendimento mínimo a todos os cidadãos, sem nenhuma contrapartida requerida. Essa medida tinha como objectivo chamar a atenção de uma sociedade rica para uma proposta audaciosa. De acordo com este projecto todos os meses cada suíço receberia um cheque do governo, independentemente de ser rico ou pobre, velho ou novo. A expectativa é que, desta forma, a pobreza desapareça.

Charles Murray, do ‘’Conservative American Enterprise Institute’’, também propôs no seu livro “Give the money to the people’’, um rendimento mínimo. Murray escreveu no seu livro:- “-Está nas nossas mãos! O plano para substituir o Estado Social’’. A sua sugestão, ‘’garantir 10.000 USD$ a qualquer pessoa que cumpra os seguintes requisites: ser americano, ter mais de 21 anos, não estar nem ter estado na prisão e ter pulso…que o mesmo é dizer provar que está vivo.’’

Em meados dos anos 70 uma pequena cidade no Canada chamada Dauphin, provincia de Manitoba, serviu de cobaia para um teste social com o código “Mincome.” Durante um curto período de tempo todos os residentes (cerca de 1000) receberam um rendimento mínimo garantido que complementava os seus rendimentos. Evelyn Forget, economista na Universidade do Manitoba, trabalhou os resultados do estudo e chegou a conclusões surpreendentes. E a outras, óbvias, como o facto da pobreza ter desaparecido. As surpreendentes, estavam no maior sucesso escolar e no menor índice de hospitalizações. Claro que na época muitas eram as criticas a este tipo de programa, como poder ser um desincentivo ao trabalho por exemplo, mas o mais marcante era o seu custo insuportável. A realidade é que, 40 anos depois, estas duas criticas não fazem o mesmo sentido. O problema hoje não é que as pessoas sejam desincentivadas no seu trabalho o problema é que as pessoas e os jovens em particular possam encontrar trabalho. Por causa da evolução tecnológica e da robótica o trabalho tornou-se um problema estrutural com tendência para se agravar. O elevado custo, que era o outro problema, também não. Desde 2008, como vimos, o custo da operação salvar os bancos custou (só aos Estados Unidos) como vimos acima mais de 13 triliões de dólares, correspondendo a mais de 40.000 USD$ por cada um dos 320 milhões de habitantes nos Estados Unidos, ou seja, a 6.600 USD$ por ano, por habitante, desde o início da crise, quer este tenha acabado de nascer ou esteja na iminência de morrer.

Se retomarmos as declarações de Mervyn King em 2009 alertando para o perigo da sociedade estar dependente de um pequeno numero de instituições financeiras, elas vinham da experiência vivida de intervencionar os grandes bancos ingleses em função da necessidade de os fazer absorver outros como aconteceu ao Lloyds que teve que ficar com HBOS. Ao acabarem resgatados, claramente chegou à conclusão ser uma solução errada.

Vemos no entanto que a Espanha, no mesmo período reestruturou o seu sistema financeiro. Como? Reduzindo o seu número, aumentando a dimensão das instituições. Vejamos: O Caixa Bank resulta da fusão do La Caixa, com a Caixa Girona a Cajasol a Caja de Guadalajara, a Caja Navarra, a de Burgos e a Caja Canarias. Sete instituições reduzidas a uma. O Bankia, resulta da Caja Madrid, Bancaja, La Caja de Canarias, Caja Laietana, Caja de Avila, Caja Segovia e Caja Rioja. Outras sete instituições reduzidas a uma. Mas o BBVA também absorveu outras 6 Cajas, a Caixa Sabadell, Caixa Terrassa, Caixa Manlleu, Caixa Catalunya, Caixa Tarragona, Caixa Manresa.

Nos Estados Unidos os 4 maiores bancos estão 5 anos depois da crise 30% maiores, e os cinco maiores são responsáveis por mais de metade de todos os activos financeiros no sistema bancário americano. Em Portugal discute-se agora a possibilidade de fusão de BPI com o BCP e espera-se que o Novo Banco possa ser adquirido pelo BPI ou pelo Santander.

O perigo a que Mervyn King se referia em 2009 é multifacetado. Por exemplo 7 bancos com problemas não fazem um banco bom. As dificuldades verificadas em controlar 7 bancos pequenos não se tornam mais fáceis porque agora existe um grande banco. As possibilidades de encontrar soluções para resgatar um banco pequeno tornam-se impossíveis aplicadas a um banco grande. Os riscos sistémicos de um banco pequeno não são os mesmos de um grande. O Office of Financial Research (OFR) organismo criado nos Estados Unidos com a reforma Dodd- Frank para o sector financeiro em 2010 com o propósito de demonstrar que o governo Americano tem o sector financeiro debaixo de controlo, apresentou um estudo em que demonstra exactamente o contrário ao demonstrar que o nível de interdependência da banca e os níveis de risco sistémico não se alteraram desde 2008 sendo aliás actualmente ainda mais preocupantes. Os autores, Meraj Allahrakha, Paul Glasserman e H. Paeyton Young afirmam:’’ O default de um qualquer grande banco tem um nível de interdependência que teria um enorme impacto no restante sistema financeiro criando uma cascata de outros ‘’defaults’’.
Em 2011, Jane D’Arista num paper para a Universidade de Massachusetts escreveu:’’ A interdependência foi um dos factores mais críticos da crise de 2008.Resultou do extraordinário crescimento do endividamento no sector financeiro que facilitou o aumento dos rácios de alavancagem e o aumento dos níveis de especulação por conta própria. À medida que se expandiam os níveis de endividamento de curto prazo, os mercados de repo e de papel comercial tornaram-se as principais fontes de financiamento, criando uma cadeia de relações incestuosas que exacerbou as vulnerabilidades sistémicas.’’   Estamos claro a falar de divida.

Sobre estes factos já existe uma tendência que demonstra essas dificuldades. Enquanto em 1998 um consórcio de bancos soube resgatar o LTCM que tinha um problema de 100.000 milhões, em 2008 já houve necessidade de os governos resgatarem os bancos, porque entre eles o problema não podia ser resolvido. Agora já se sabe face à nova legislação que não serão mais os contribuintes a poder resgatar os bancos. Terão que ser os depositantes, porque os Estados não estão mais em condições de o fazer. É uma tendência inexorável de impotência face à dimensão dos bancos com, por enquanto, a única preocupação de não se chegar ao limiar crítico da desconfiança.
Todo o sistema monetário e financeiro está baseado na confiança. Este limiar crítico de confiança é o ponto em que o comportamento de uns se altera em função do comportamento de outros. A confiança é um bem intangível que não pode e não deve estar permanentemente sujeito a factores de stress.