Os mercados não são mais o que eram. Já aqui falámos disso. O problema coloca-se quando se quer saber o que são eles agora. Quando o governo americano investe 20 mil milhões no Citibank não obstante a sua capitalização no mercado ser da mesma ordem de grandeza, isso deveria representar uma nacionalização com a correspondente entrada de administradores na empresa, o controlo efectivo da instituição e do seu capital, eventualmente à saída da bolsa.
Quando as empresas automobilísticas americanas pedem 75 mil milhões ao Estado e no mercado as suas acções valem menos de dez mil milhões, isso deveria querer dizer que essas empresas estão pura e simplesmente falidas e, no mínimo, deveria impedir que os seus máximos representantes continuassem a voar em jactos privados. O que é estranho é que sendo ainda empresas privadas os seus accionistas não parecem preocupados com este tipo de despesismo o que pode querer dizer que também já não estão preocupados com a viabilidade das empresas.
Tudo isto já não tem qualquer lógica de mercado. A nova máxima é que, sendo as empresas demasiado grandes para falirem, os impactos dessas falências seriam demasiado graves e impossíveis de suportar pela sociedade.
Será bom recordar aqui que é possível diversificar riscos de mercado, mas não se pode diversificar o risco sistémico.
Conhecendo-se esta regra elementar existem algumas soluções que poderiam ter sido tomadas. A primeira deveria ser reduzir a dimensão das instituições financeiras. Curiosamente o que se tem feito e o que se preconiza é justamente o contrário mas com isso, só se criarão maiores problemas, pois juntando os problemas numa só entidade apenas se cria um problema maior.
Um outro sector desta crise que merece atenção é o das agências de rating porque têm um modelo de negócio corrupto. As agências de rating estão nesta crise como os médicos legistas estão na medicina. Ambos se limitam a constatar o óbito. No caso das empresas de rating ninguém necessita que constatem o óbvio “a posteriori”. Se não o fazem “a priori” não são necessárias.
A medida mais importante que poderia ser tomada, talvez a mais importante, é neste momento utópica mas daria certamente os resultados que se pretendem. Passaria pela obrigatoriedade de se recolherem fisicamente os fundos em numerário (dinheiro vivo) sempre que estivessem em causa fusões ou aquisições. A logística quanto à recolha e transporte desses fundos levaria certamente os promotores a terem uma melhor noção das responsabilidades sobre as operações realizadas.
A História mostra-nos como as crises sempre fizeram parte da evolução da humanidade. No século XVI, mais precisamente em 1512 Afonso de Albuquerque chegou às Ilhas Banda na actual Indonésia. O Interesse destas dez ilhas estava no facto de, à época, serem o único local no Mundo onde crescia a noz-moscada. Esta especiaria tornou-se rapidamente num valiosíssimo factor de desenvolvimento porque era um produto terapêutico (servia para curar disenteria, ajudava a dormir melhor e ainda possuía propriedades (afrodisíacas) com múltiplas utilidades). O produto era tão precioso que podia ser vendido na Europa 60 mil vezes o seu preço na origem. Hoje, a noz moscada, é um condimento corriqueiro, esporadicamente utilizado na cozinha, sem mais particular importância. O que aconteceu? Aconteceu que em 1796 os ingleses tomaram o controlo daquelas ilhas e levaram as sementes para a Malásia e Ceilão e a especiaria deixou de ser o bem tão escasso que era até então. Esta crise não é muito diferente da crise financeira actual. A noz moscada era problema por ser um bem raro. Deixou de o ser. O crédito não era um bem raro e actualmente passou a ser.
Todos os governos necessitam de dinheiro para resolverem os problemas com origem no crédito. Os Estados Unidos 700.000 mil milhões, Portugal 20.000 mil milhões. O estado de Nova York precisa de 14 mil milhões para equilibrar o seu orçamento enquanto a família Antunes precisa de 13.000 euros para equilibrar o seu. Qual é a diferença para além das dimensões ou ordem de grandezas?
É com base neste principio que a sociedade continua a agir mas terá que ser com base num novo paradigma que se deverá envolver. O crédito não é um problema e não deve, nem pode, ser eliminado. Aliás, não pode, a sua utilização deve é ser melhorada.
Numa visão optimista da situação actual não pode deixar de se considerar um feito excepcional que se tivessem conseguido criar activos virtuais num montante de quase dez vezes a riqueza mundial. A possibilidade de se poder distribuir à população esta riqueza virtual abriria enormes oportunidades para o mundo.