Desde que a DIF abriu, em 2006, um escritório em Madrid, gosto cada vez mais desta cidade. Talvez porque antes do 25 de Abril, passar por Espanha era quase uma obrigatoriedade, o contraste seja agora tão grande. Sempre que entro no avião faço-o com prazer. A Europa dessa época, na realidade, só começava em França. Espanha era como que o óleo de fígado de bacalhau que era preciso tomar antes de chegar à Europa. Inevitavelmente de carro, claro, ou de comboio, porque as viagens de avião ainda não ofereciam “low cost“. Não se via nada de interessante, a vida era melhor por cá e até nos sentíamos superiores. Afinal de Espanha, dizia-se, não vinha nem bom vento, nem bom casamento.
Hoje, como disse, gosto muito de Madrid, uma cidade civilizada, sem a quantidade imensa dos sem abrigo que se vêm em Paris ou Londres, com mais policiamento e mais vida, bem capaz de enganar qualquer economista. Ninguém se preocupa com a divida, com o PIB, com o bom ou mau governo, nem tão pouco com desemprego. No entanto, Espanha tem 20% de desempregados…É surpreendente. Espanha deve ser o melhor país do mundo para se verem mulheres bonitas e ao mesmo tempo a crise actual com detalhe.
O imobiliário foi o esteio desta economia nos últimos 10 anos. O apogeu deu-se em 2007, quando mais casas se construíam em Espanha que em toda a Europa. Foi obra. Em 2008 o primeiro-ministro Zapatero afirmava que o mundo devia olhar para o sistema financeiro espanhol e para o modo prudente como o Banco de Espanha controlava o sistema. Em 2009 apareciam em Madrid os primeiros letreiros a dizer ‘’vende-se apartamento’’ e sabia-se que 60% do crédito concedido era para a actividade imobiliária. Em 2010 os testes de stress indicam que 5 Caixas espanholas falharam o teste.
O escritório da DIF está na porta de Alcalá, em frente ao jardin del Retiro, um sítio emblemático de Madrid que gosto de comparar com o Marquês de Pombal e o Parque Eduardo VII, em Lisboa. Quando falo com os espanhóis só engano aqueles que não conhecem o centro da nossa Lisboa. Voltando à porta de Alcalá, a hora de almoço, um conhecido ritual para os espanhóis, é passado nos restaurantes das redondezas, todos mais ou menos sofisticados. O preço, é seguramente, 2 vezes o que se pagaria em Lisboa. A conclusão que posso tirar é que a sofisticação é uma forma de separar as pessoas do seu dinheiro e fico contente por ter percebido isso em Espanha porque me é útil em todo o lado. Um carro sofisticado é um carro caro com uma manutenção ainda mais cara. Como será ser-se um investidor sofisticado? Será aquele que também gosta de se ver separado do seu dinheiro, aplicando as suas poupanças nos produtos bancários ‘’simples’’, com fichas técnicas difíceis de entender mas nomes atraentes, como ‘’retorno absoluto’’? E aqueles que aplicam as suas poupanças em produtos negociados em mercado, unicamente sujeitos à lei da oferta e da procura não são sofisticados? Talvez não sejam. Em bolsa, muitos vendedores fazem o preço descer e muitos compradores o preço subir e isto não parece muito sofisticado. É como no mercado da Ribeira…
Sigo com particular atenção a evolução dos juros da divida espanhola. As implicações da sua evolução são potencialmente importantes para Espanha e para Portugal. Quando sobem quer dizer que os investidores se preocupam com um potencial “default” e por isso precisam de uma maior remuneração, quando baixam estão mais confiantes. Porque é que a Espanha não corta na despesa, devem perguntar-se os potenciais investidores em divida espanhola? Na realidade já cortou, mas tem que pensar naqueles que votam, como exige uma democracia e é difícil a uma democracia cortar na despesa, porque uma boa parte do sector privado depende da despesa pública e se houver grandes cortes claro que a economia mirra, a colecta aos impostos baixa e….o resultado é pior para toda a gente.
Os espanhóis viveram esta última década entre duas economias, uma real e uma outra de faz de conta, com base no imobiliário. A real é a economia de todos os dias, chapa ganha chapa gasta, a economia com base no imobiliário era a outra, de faz de conta, em que, à medida que os preços subiam, aumentava a liquidez por via do endividamento. Não se percebe? Eu explico. Imagine que tinha um imóvel que valia 100 e que estava hipotecado por 50. Se esse mesmo imóvel passou a valer 200 e quisesse manter uma hipoteca sobre metade do bem, podia fazer outra de 50. O que podia depois fazer com estes 50 já não era economia real, apesar de poder gasta-los em consumo ou em novo investimento. Se a opção fosse um novo investimento estaria a perpetuar a economia de faz de conta com base no imobiliário, pressionando os preços à alta e valorizando a sua capacidade de endividamento.
O que se vive agora é exactamente o contrário disto. Mais vendedores, preços mais baixos, maior necessidade de garantias nos bancos para os mesmos bens. Incapacidade de trazer mais garantias, ou simplesmente de acompanhar os aumentos dos juros e é maior a necessidade de vender, voltando a forçar a baixa dos preços.
Nesta crise parecemos todos iguais e somos todos diferentes.