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O Covid-19: As Conversas em família do Presidente e Banqueiros

A conversa imaginária entre o Presidente e os banqueiros.

No último dia 6 de Abril de 2020, às 16 horas, em pleno estado de emergência nacional, em resultado da crise sanitária gerada pelo vírus Covid-19, através de videoconferência, para evitar os óbvios contactos sociais, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa decidiu realizar uma sessão de conversas em família com os banqueiros da nossa praça; claro está, apenas os mais importantes (já são poucos também!): os presidentes do BCP, BPI, Santander, Novo Banco e CGD.

Assim, o Presidente decidiu tomar a palavra e foi directamente ao assunto:

– Meus amigos, como já sabem, por declarações minhas ontem na Comunicação Social, esta minha conversa tem como intenção recordar-vos que este é o momento e a oportunidade para a banca devolver aos Portugueses a dívida de gratidão; não se esqueçam da última crise, lembram-se? Em 2011 e 2012. Foram eles que vos safaram da situação de falência em que estavam em 2011!— disse o Presidente num tom sério e ao mesmo tempo bastante crispado.

De imediato, um longo silêncio, apenas as faces nos ecrãs de cada um…subitamente, o presidente do BCP tosse e limpa a garganta, era um sinal de que estava determinado a intervir.

A expressão na face era um indicador que estava decidido a retorquir as palavras do presidente Marcelo:

— Não entendo a sua observação, senhor Presidente, porque nós, obviamente, estamos gratos aos Portugueses, mas o que espera que façamos? Nós, no BCP, já suportámos quase 30% do Fundo de Resolução! — Disse o presidente do BCP, com uma reacção de estupefacção às palavras do presidente Marcelo.

— Emprestem dinheiro aos Portugueses. Façam o vosso trabalho—respondeu o Presidente Marcelo.

—Mas…senhor Presidente— disse o presidente da CGD—, nós pensávamos que já tinha percebido que em 2011 o problema da banca era na realidade o problema do Estado Português. Aliás, foi pela falência do Estado que a banca entrou em dificuldade! É verdade que houve muita discussão pública sobre muitos temas relacionados com uma gestão pouco profissional da banca, mas a questão de fundo não pode ser esquecida e, como sabe, senhor Presidente, a nossa existência está totalmente interligada ao Estado com o sistema fraccionário, porque aquilo a que nós chamamos capital é na realidade dívida do Estado!

Não sei se me entendeu? O colapso em 2011 deu-se quando a taxa de juro da dívida do Estado começou a subir e a banca começou a ter que registar prejuízos ou, como dizemos agora nas conferências de Imprensa, para dar um ar mais pomposo: imparidades. Por essa altura, o crédito que tínhamos concedido no passado tinha taxas de juro que fizeram as empresas deixar de pagar. É que, percebe senhor presidente, como diz o Victor Bandarra: no fim isto está tudo interligado.

– Mas então estão a dizer que não vão emprestar dinheiro aos portugueses?— questionou o Presidente.

—Não é isso que estamos a dizer. O que dizemos é que nós já esgotámos os montantes acordados com o Governo para aqueles programas de ajuda com garantia do Estado a 90%— respondeu António Ramalho, presidente do Novo Banco.

– Mas então sem garantia do Estado não emprestam nada?– pergunta o presidente Marcelo.

—Senhor Presidente, a economia está parada. Se a economia está parada, como vão poder pagar? Nós tínhamos tudo preparado para uma grande campanha de financiamento ao turismo, que representa 10% do PIB nacional, mas se não há turistas, não faz sentido uma campanha de financiamento— respondeu o presidente do Santander à nova questão do presidente.

–Mas se não forem ajudadas, essas empresas certamente irão falir– disse o presidente.

–Sim, mas se fizermos esses empréstimos sem garantias, somos nós que iremos falir, porque as empresas não terão capacidade para pagar–contrapôs um dos banqueiros.

–Mas, não entendo–diz o Presidente–, não há nada que possam fazer?

–Com o devido respeito senhor Presidente, o que nos preocupa é que o senhor não tenha ainda entendido o nosso negócio, porque então não temos esperança que mais alguém possa entender. Vou tentar de modo simples explicar-lhe– diz o Presidente do BCP–, porque não é difícil de entender:  o balanço dos bancos está dividido em activos (os empréstimos às famílias e empresas) e as responsabilidades (os depósitos de famílias e empresas).

Quando as taxas são negativas, como têm sido nos últimos dois anos, a parte do balanço que representa os activos e gera as receitas passa a perder dinheiro e, ainda por cima, temos que pagar pelas reservas colocadas no banco central. No lado das responsabilidades temos outro custo que, embora menor, se mantém custo, que é aquilo que pagamos pelos depósitos. O que ganhamos está nas comissões que cobramos–interrompe o seu discurso para ganhar fôlego.

Acresce que do lado do activo temos neste momento um problema maior. Como as empresas estão paradas, estas não nos podem pagar os empréstimos que lhes fizemos e, como sabe, já estão todas muito endividadas. Deixe-me dizer-lhe senhor Presidente que Portugal ainda pode ter outro problema complicado: o humor do BCE.

Ninguém nos garante que o BCE não aproveita esta situação para obrigar a nova consolidação entre bancos; por outras palavras, isto passar por completo para mãos estrangeiras. Já agora, senhor Presidente, seria bom também explicar ao Dr. Rui Rio, do PSD, esta conversa que estamos a ter, porque ele também não percebe o negócio da banca, e é fundamental que os políticos percebam que estamos juntos nisto, tal como o sistema monetário e financeiro está concebido. Os problemas da banca são o problema do Estado e os problemas do Estado são os problemas dos bancos.

Na nossa actividade de banqueiros, em condições normais, propomos todo o tipo de endividamento ao consumidor, ao mesmo tempo que o seduzimos para fazer créditos ao banco, sob a forma de depósitos, mas que é também dívida (neste caso dívida que o banco deve ao consumidor).

Estamos sempre a falar de dívida, ou para uns ou para outros.

Quando falamos da economia esta é afectada pelo investimento público decidido pelo governo e, como sabe, é também financiado com dívida, a mesma dívida que é subscrita pelos bancos e depois transferida por nós para o Banco Central, para receber o contravalor em dinheiro e poder financiar a nossa actividade. Como vê, senhor Presidente, estamos todos aqui dependentes do BCE, o Estado português para poder pagar taxas juro insignificantes sobre a sua dívida e nós dependentes da avaliação que o BCE faz do nosso crédito.

O Dr. Rui Rio, quando estudou economia, os bancos ainda se financiavam a taxas de curto prazo a 8 ou 9% e faziam empréstimos a taxas de longo prazo a 18 ou 21% ganhando um “spread”, mas actualmente os bancos não têm oportunidade de ganhos, porque as taxas de curto prazo são idênticas às de longo prazo em resultado da política do banco central, que não pára de imprimir dinheiro.

Senhor Presidente, nós sabemos que para o comum dos mortais, o banco é o local em que se fazem depósitos e se pede dinheiro emprestado, e onde tudo é garantido, mas tínhamos a expectativa de que pelo menos os políticos com responsabilidades entendessem que não fazemos milagres. Fazer dinheiro não é gerar riqueza e nós não geramos riqueza.

Na realidade, actualmente, nós, não só, não criamos nada, como não mandamos nada, não temos latitude para fazer nada, porque somos na prática delegações do BCE, que aliás tem, como sabe, representantes nos nossos conselhos de administração. Em boa verdade, sem o BCE não existiríamos, e sem o BCE muitos estados provavelmente já teriam falido também.

-O presidente Marcelo balbuciou:

-Mas então estão a dizer que não temos nenhuma autonomia e que estamos totalmente dependentes do BCE?

– O presidente da CGD voltou a intervir para dizer:

–  Na minha já longa carreira entre o sector público e privado aprendi que quando queremos saber quem manda é sempre aquela pessoa ou entidade de quem não se pode dizer mal. O senhor Presidente já notou que o BCE não tem que responder a ninguém e não aceita qualquer crítica? É verdade que somos nós que estamos aqui a falar sobre como ajudar os Portugueses, mas quem manda e tem poder para decidir é na realidade o BCE, e ele não está aqui!

-O Presidente fechou a reunião agradecendo e disse:

–Eu espero que saibam que o marketing politico exige que eu faça este papel. O povo não perdoa se não se dá a impressão que temos o controlo da situação.

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