Investir na bolsa, em particular quando se investe em mercados não denominados em Euros, coloca problemas aos investidores. Um deles, e muito importante, está associado à conversão cambial na compra de acções. Que riscos têm lugar na hora da compra ou venda de acções denominadas em divisas que não o Euro, atendendo que estas operações obrigam à conversão dos Euros noutra divisa e vice-versa, por exemplo, o USD, para que o negócio na bolsa de valores tenha lugar.
A tentação por bolsas estrangeiras é óbvia: ao longo dos últimos 10 anos, os mercados norte-americanos têm sido aqueles que têm proporcionado as rendibilidades mais elevadas, enquanto a bolsa portuguesa continua a perder capitalização bolsista todos os anos.
Como podemos observar na Figura 1, o índice Nasdaq 100, entre o final de 2010 e o final de 2020, proporcionou um retorno de 481%, enquanto o PSI, o principal índice português, perdeu 35% para o mesmo período. Nos quatros primeiros índices, três são norte-americanos, onde as transacções ocorrem em USD, e um é dinamarquês, onde ocorrem transacções em coroas dinamarquesas (DKK).
Figura 1
Podíamos pensar: 2021 já não foi assim. Nada mais longe da verdade!
Entre o final de 2020 e a sessão de bolsa do último 29 de Junho, em termos de rendibilidade (ver Figura 2), nos primeiros cinco lugares encontram-se o índice sueco, o OMX 30, com uma subida de 21%, o CAC 40 francês, com uma subida de 17%, o índice norte-americano Russell 2000, com uma subida de 17%, o holandês AEX 25, com uma subida de 17% e o principal índice norte-americano, o S&P 500, com uma subida de 14%. Ou seja, três em cinco índices bolsistas, são bolsas de valores denominadas em divisas distintas do Euro.
Em relação ao índice português, o PSI 20, em 2021, volta a ser o carro-vassoura, com uma ligeira subida de 2,5%.
Figura 2
Tendo em conta este cenário, é natural que a maioria dos investidores se sinta tentada a investir em bolsas de valores que o obrigam a utilizar uma moeda que não o Euro. Desta forma, surge um problema que deve ser considerado: o risco cambial das operações.
Mas não só de risco cambial estamos a falar, também obriga ao pagamento de comissões para a respectiva conversão de Euros em moeda estrangeira e vice-versa.
No presente artigo, vamos explicar ao leitor em que situações incorre em risco cambial e de que forma o poderá mitigar.
Em primeiro lugar, importa explicar o porquê de darmos importância a este risco. Vamos socorrer-nos de um exemplo.
Situação de risco cambial
Vamos imaginar que no dia 1 de Março de 2021, um investidor deseja adquirir 300 acções da empresa Apple. Nesse momento, as mesmas estão a cotar a 130 USD. Este investidor é português e a sua conta de corretagem está denominada em Euros. O seu saldo de conta é de 50 mil Euros. O par cambial EURUSD está a cotar a 1,19 USD.
Para adquirir as acções da Apple na bolsa de valores norte-americana, o investidor terá de converter Euros (EUR) em Dólares norte-americanos (USD) por forma a adquirir as suas acções. Desta forma, a corretora terá que debitar a conta do investidor pelo valor de 32 773 EUR (39 000 ÷ 1,19) e creditar a sua conta de USD em 39 mil USD. Assim, o investidor poderá entregar os 39 mil USD ao vendedor e receber as suas 300 acções da Apple.
Vamos supor que passados três meses, ou seja, 1 de Junho de 2021, as acções da Apple estão a cotar a 150 USD, uma valorização de 15%. No entanto, para o mesmo período, o par cambial EURUSD subiu para 1,43 USD, ou seja, o EUR apreciou-se em cerca de 20% frente ao USD.
O que irá acontecer se o investidor vende as suas acções da Apple? Se as vender irá receber 45 mil USD (150 × 300). A corretora irá converter os USD em EUR ao câmbio de 1,43, o que irá corresponder a 31 469 EUR (45 000 ÷ 1,43).
Na prática, apesar de as acções se terem valorizado, a venda das acções e a sua conversão em EUR corresponderia a um valor, como anteriormente indicado, de apenas 31 469 EUR, inferior ao valor de aquisição em EUR, 32 773 EUR, resultando numa perda de 1 304 EUR.
Por que tal aconteceu? A apreciação do EUR frente ao USD foi superior à valorização das acções da Apple. Assim, o investidor foi muito prejudicado pela evolução da taxa de câmbio. Um risco que não necessita correr.
Primeira técnica, através de uma conta margem
Uma das hipóteses para eliminar o risco cambial, consiste na contratação de uma conta-margem pelo investidor. Como funciona? O investidor tem uma conta em EURs e automaticamente a corretora abre-lhe uma conta em USD, assim que ocorra a negociação para um activo denominado numa divisa diferente do EUR.
Vamos supor que o investidor possui igualmente 50 mil Euros na sua conta base (EUR). A corretora proporciona uma linha de crédito ao investidor, no caso de empréstimos em USD aplica 2% ao ano.
Assim, no momento em que o investidor clica no botão de compra na sua plataforma, para proceder com a operação, de imediato, é-lhe dado uma linha de crédito em USD, neste caso um empréstimo de 39 mil USD (130 × 300).
Passados três meses, tal como no exemplo anterior, o investidor vende as acções e recebe 45 mil USD (150 × 300). Terá agora de liquidar o empréstimo, pagando o capital e os juros, ou seja, 39 194 USD (39000 × 1,02^0,25), ficando na sua conta de USD com 5 806 USD. Seguidamente, converte os 5 806 USD para EUR, resultando em 4 060 EUR (5 806 ÷ 1,43) de ganhos!
Segunda técnica, através da utilização de CFDs
Tal como explicámos no nosso artigo “CFD: o que é?”, o CFD é um contrato em que o investidor recebe a diferença entre o preço de fecho e o preço de abertura da posição, no caso de uma posição longa (compra de acções), ou a diferença entre o preço de abertura e o preço de abertura da posição, no caso de uma posição curta.
Neste caso, o investidor ia utilizar o CFD cujo activo subjacente é a acção da Apple; no entanto, a corretora irá obrigá-lo a pagar juros à taxa de 2% ao ano – para posições longas.
Assim, o investidor ia abrir 300 posições longas no CFD da Apple, com um preço de abertura de 130 USD. Após três meses, fecha a posição, neste caso a 150 USD.
Como calculamos os lucros do CFD, para posições longas? Quantidade × (Preço de fecho – Preço de abertura); aplicando esta fórmula temos: 300 × (150 – 130). O investidor ia registar uma mais-valia de 6 mil USD, no entanto, ainda falta calcular os juros. A posição longa foi de 39 000 USD, os juros de 2%/ano corresponderiam a 195 USD (39 000 × 2% ÷ 4).
A sua conta em USD ficaria com 5 805 USD, que teriam de ser convertidos em EURs, neste caso a 1,43, resultando em 4 059 EURs (5805 ÷ 1,43), uma mais-valia em EURs. Mais uma vez, podemos constatar que o risco cambial foi mitigado.
Terceira técnica, através da utilização de uma posição em Forex
Por simplificação, não iremos aplicar os custos de financiamento na utilização de uma posição em Forex – para conhecer mais detalhes, leia por favor o nosso artigo “Forex: O que é? Como funciona?” -, por forma a ilustrá-lo com maior facilidade.
Assim, o investidor iria adquirir as acções transformando os seus Euros em USD, por forma a pagar as suas acções que custariam 39 mil USD (convertendo 32 773 EUR) – tal como no primeiro exemplo.
Seguidamente, o investidor abre uma posição longa no par cambial EURUSD: porquê? O risco que temos, ao possuir acções denominadas em USD, é uma possível apreciação do EUR frente ao USD.
Assim, a posição deverá permitir obter ganhos precisamente com a valorização do EUR. Qual o montante? A quantidade da posição será o correspondente ao montante em Euros, precisamente o montante debitado na nossa conta de Euros para adquirir as acções: 32 773 EUR; o preço de abertura será a 1,19.
Tal como um CFD, como se calcularia o ganho de uma posição longa em Forex? Através da mesma fórmula: Quantidade × (Preço de fecho – Preço de abertura). Neste caso, 32 773 × (1,43 – 1,19), resultando num ganho de 7 866 USD na posição em Forex.
Assim, após três meses, temos o fecho de duas posições: (i) a primeira, a venda das acções, que resulta numa perda 1 304 EUR, tal como vimos anteriormente; (ii) a segunda, o fecho da posição em Forex, que resulta num ganho de 5 500 EUR (7 866 ÷ 1,43). Assim, o resultado da operação seria de 4 196 EUR.
Mais uma vez, através de um derivado foi possível cobrir o risco cambial.
Conclusão
Podíamos também explicar como realizar uma cobertura de risco através de um contrato futuro ou através de opções. Iremos deixar tal explicação para um artigo futuro.
O que importa deixar claro ao leitor é o seguinte: deverá ter sempre em conta este risco cambial no momento de investir em bolsas de valores denominadas noutras divisas que não o Euro.