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Criptomoedas: Uma Ameaça Aos Bancos Centrais?

  • Criptomoedas: Uma Ameaça Aos Bancos Centrais?

Há dias, foram publicados os resultados da consulta pública realizada pelo Banco Central Europeu (BCE) a respeito do seu projecto de lançamento de uma moeda digital: o Euro Digital.

Os aspectos mais relevantes podem ser resumidos nos seguintes pontos:

  • A privacidade das transacções era o que mais preocupava as pessoas que responderam à consulta, algo que apenas o dinheiro físico proporciona. Por essa razão, o BCE já veio dar “garantias” que não tenciona terminar com as notas e moedas; segundo nos informa, o Euro Digital será apenas um complemento do numerário;
  • O Euro Digital deverá ter como características principais a privacidade, a segurança e um uso fácil e generalizado;
  • Deverá ser definida uma quantidade máxima de Euros Digitais detidos por cada pessoa, com a possibilidade de diferentes remunerações, de acordo com a quantidade detida; por exemplo, juros 0% até 5 mil euros e -1% acima desse valor.

Não é apenas o BCE: o Banco Central chinês já anunciou que estava a realizar testes preparatórios para o lançamento do seu Iuane Digital; o banco central norte-americano, a Reserva Federal, também tem planos para um Dólar Digital.

Qual a razão de tal azáfama por partes dos bancos centrais?

Segundo a minha opinião, existem várias razões por detrás deste movimento, em particular, e talvez a principal, resulta da necessidade de eliminar o dinheiro físico.

Só assim, será possível manter a actual repressão financeira sobre os aforradores, obrigando-os, a curto prazo, a pagar juros pelas poupanças que possuem depositadas nos bancos comerciais.

A enorme dívida pública é uma das razões para a impossibilidade de sairmos de um contexto de juros 0%, ou mesmo negativos, em que o credor, em lugar de pagar, recebe juros por emitir dívida!

Os governos simplesmente entrariam em bancarrota com uma ligeira subida das taxas de juro: seria algo incomportável na presente situação.

A dívida pública dos governos nunca foi tão elevada; no caso dos EUA, a sua dívida pública representa agora 130% do PIB, algo sem paralelo. Em Março do presente ano, o défice do governo federal dos EUA cifrou-se em 660 mil milhões de USD, um máximo histórico.

Em apenas um mês, o défice público foi superior ao défice anual de períodos anteriores!

Prevê-se que a dívida pública norte-americana atinja 35,3 biliões de USD em 2031 – um cenário optimista, atendendo que a cada 8 anos, a dívida pública norte-americana tem duplicado.

Por outro lado, como os bancos comerciais praticamente perderam o negócio da intermediação financeira –emprestar a uma taxa de juro superior à remuneração dos depósitos captados – , resultado das recentes políticas monetárias dos bancos centrais; caso insistam em prosseguir com este negócio, terão de suportar margens de intermediação cada extremamente reduzidas, obrigando-os a obter outras fontes de receita.

O recente aumento das comissões é já um reflexo desta situação; e, proximamente, certamente aplicarão juros negativos sobre os depósitos.

Não são apenas as receitas que se encontram sob pressão, os custos também terão que ser reduzidos: muitos bancos têm anunciado despedimentos em massa e o encerramento de balcões.

Acontece que no momento em que o cliente veja o seu depósito a sofrer uma erosão contínua, por exemplo de -1% ou de -2% todos os anos, a primeira decisão, que certamente irá tomar, será converter o seu depósito em numerário; só assim, poder-se-á proteger.

Se lhe for retirada essa escapatória, o seu depósito passará a ser um mero registo digital num balanço do banco, nunca podendo ser convertido em numerário, podendo apenas ser movimentado entre bancos, com todas as instituições financeiras supervisionadas pelos bancos centrais a cobrarem os juros negativos sobre todos os depósitos.

O Euro Digital é uma ameaça a este processo; e porquê?

Caso os bancos decidam aplicar juros negativos, ou existam dúvidas acerca da solvência de uma dada instituição financeira, os clientes podem decidir converter os seus depósitos em Euros Digitais.

Na realidade, será como se o seu depósito passasse a estar junto do Banco Central, em lugar de um banco comercial. Ao ser o emissor da moeda, as pessoas sentir-se-ão mais seguras e, adicionalmente, sem a necessidade de pagar juros negativos. Essa é a razão pela qual o BCE necessita de impor um limite de Euros Digitais por pessoa.

Como impor tal restrição? Irá obrigar à identificação da pessoa, podendo ser necessário a activação de uma carteira digital num PC ou num telemóvel. Essa activação poderá ser realizada num balcão de um banco comercial, visando garantir a identificação dessa pessoa.

Os dados biométricos da pessoa poderão ser recolhidos e enviados a uma base de dados controlada pelo BCE; o passaporte sanitário é um passo nesse sentido.

A todo o momento, o BCE deseja conhecer quem são os proprietários individuais de todos os Euros Digitais: está aqui a razão para a aparente complexidade em lançar tal projecto.

Por fim, a concorrência das Criptomoedas está a ameaçar o sistema monetário vigente. O Euro Digital visa entrar em competição directa com as Criptomoedas.

Para isso, tal projecto deverá proporcionar os mesmos benefícios das Criptomoedas: privacidade, segurança e fácil de utilização.

Em relação ao primeiro, já vimos que a privacidade não será seguramente um atributo do Euro Digital, apesar de todas as promessas em sentido contrário.

No momento em que estados necessitem de exercer o seu poder sobre os cidadãos, eliminando a sua privacidade em nome do “bem comum”, não hesitarão em fazê-lo. Bloquear, congelar e confiscar saldos, será uma prática se assim o necessitarem, dado o seu conhecimento detalhado de todos os movimentos e saldos de Euros digitais de cada cidadão.

Em relação à segurança e facilidade de utilização, importa deixar claro que o seu ecossistema nunca será descentralizado, tal como o blockchain Bitcoin ou Ethereum, em que uma rede de computadores independentes minera, confirma e actualiza, a todo o momento, os saldos existentes em cada carteira.

Ou seja, o sistema do BCE terá que ser centralizado, caso contrário, o controlo sobre o seu ecossistema desaparecerá, algo que qualquer burocrata nunca deseja.

Outro aspecto que parece escapar aos bancos centrais é a actual existência de Moedas Fiat digitais: hoje, já são uma realidade. Podemos dar o exemplo das criptomoedas USDC (dólar digital da Coinbase), USDT (dólar Theta) e o UST (dólar do ecossistema Terra).

Ou seja, o mercado encarregou-se de proporcionar essa oferta, sem esperar pelos bancos centrais. Estas moedas digitais, uma espécie de 1:1 com o USD, permitem a actividade de banca descentralizada: denominada por DeFi – Decentralized Finance.

O que significa DeFi?

Os intermediários deixam de ter qualquer papel.

Os serviços financeiros passam a ser obtidos de forma descentralizada, em que as partes se encontram através da Web, utilizando a tecnologia blockchain. Por exemplo, as Moedas Fiat Digitais são usadas para aforradores e tomadores de crédito se encontrarem no mercado e acordarem livremente a taxa de juro entre si.

Ou seja, o papel de banco intermediário deixou de existir. De que forma os bancos centrais vão impedir este movimento, que reflecte a oferta e a procura, em lugar das taxas de juro fixadas administrativamente pelos bancos centrais?

Uma vez mais, os burocratas foram ultrapassados pelo mercado; assim, é muito provável que recorram às únicas armas que sempre utilizam nestas situações: abuso de posição dominante, repressão – através de legislação especial a pedido -,  e propaganda.

De que forma exercem o seu poder?

Por um lado, a obrigatoriedade de aceitar Euros digitais por qualquer comerciante ou cidadão; ou de liquidar impostos em moeda digital, tal situação permite-lhes obter uma enorme vantagem, em particular em assegurar uma aceitação generalizada da moeda.

A segunda, a repressão: obrigando à obtenção de licenças às empresas que convertem Euros Digitais em Criptomoedas. Esta legislação irá abranger todos os aspectos, desde o branqueamento de capitais a restrições de comercialização, visando gerar o receio nos cidadãos, no momento em que tentam converter os seus depósitos em criptomoedas.

Por fim, a propaganda. Vários banqueiros centrais e acólitos virão a terreiro alertar para o perigo que as Criptomoedas representam, em particular a sua utilização para negócios obscuros.

Estranha ironia, quando a maioria dos escândalos de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo ocorre precisamente com os bancos por eles supervisionados.

Também surgirão mensagens de que são activos de elevado risco, ocultando que hoje existem Criptomoedas indexadas às divisas Fiat, como o EUR e o USD, sem qualquer risco de mercado, algo que nunca comunicam.

A pergunta que agora se coloca, quem irá vencer: as Criptomoedas ou os bancos centrais?

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