Ao contrário do que se podia imaginar, em resultado do estudo da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM), podemos afirmar que a actual situação que se vive no mercado de Criptomoedas é uma excelente promoção do investimento nos mercados financeiros.
De acordo com o portal de notícias norte-americano Market Watch, os estudantes universitários norte-americanos não estão preocupados com a queda abrupta das cotações das Criptomoedas porque acreditam que são investimentos de longo prazo; essa é pelo menos a opinião de 60% dos inquiridos.
Num mundo financeiro em que tudo está regulado ao ínfimo detalhe, para oferecer total “garantia” aos investidores, estes, como se vê, tomaram boa nota de um dos maiores lemas da prática de investir na bolsa: devem ser vistos numa óptica de longo prazo!
Como estamos a falar de estudantes universitários, constata-se também que não andaram a perder tempo e que já consideram as Criptomoedas a verdadeira prosperidade, proveniente de poupança, mesmo que não seja resultado da prestação de qualquer produto ou serviço, tal como se o dinheiro nascesse das árvores!
Mas o texto de hoje não está concentrado nos méritos ou deméritos das Criptomoedas, mas antes nas lições que poderemos retirar de um mercado que está a actuar com as mesmas regras do mercado financeiro dos anos 20 do século passado, ou seja, sem regras e supervisores.
Dito assim, pode parecer um susto, mas essa não era a intenção. A intenção é avaliar se é realmente assim tão mau.
Para a grande maioria das pessoas, começar o que quer que seja, implica sempre um processo de aprendizagem, é a parte mais difícil; faz parte da natureza humana.
Regra geral, os receios e as dúvidas levam vantagem até se ganhar a necessária confiança; por essa razão, com o aforro, as pessoas investem com pequenos montantes até adquirirem os conhecimentos necessários para se aventurarem com outros montantes.
No mercado regulado não é diferente, aprender é melhor; no entanto, nos dias que correm, tudo está mais ou menos garantido nos longos contratos que as pessoas têm que assinar; a percepção é que não é necessário aprender nada porque tudo já está previsto.
Previamente à contratação do serviço de investimento pelo cliente, uma empresa de investimento deverá informá-lo direitinho do seguinte:
De uma forma muito simplista: existe uma relação de equilíbrio na sociedade entre produtores e consumidores. As sociedades evoluem e prosperam quando existe uma oferta de produtos ou serviços inovadores que são úteis, ao contrário do que acontece com as sociedades que entram em declínio: o confisco de propriedade privada, a preservação de empresas insolventes, a burocracia e a permanente intervenção do estado é a sua receita.
Seguindo este raciocínio simplista, os mercados de Criptomoedas parecem estar a actuar como uma válvula de escape de uma panela de pressão, permitindo a todos aqueles que se sentem tratados como débeis mentais pela regulação financeira, podem exprimir-se neste novo mercado, assumindo todas as suas responsabilidades e riscos.
Primeiro os universitários, depois os pais dos universitários, depois os familiares e depois os amigos.
Neste momento, já existem perto de 10 mil Criptomoedas, já são mais que os títulos cotados no Nasdaq, que são só 3300, e mais do que os 2400 valores cotados no New York Stock Exchange.
Negociar Criptomoedas parece ser como negociar nos loucos anos 20 do século passado. E eram loucos porque estávamos no inicio da era automóvel, que na época viu nascer 1900 empresas construtoras de carros e que produziam mais de 3000 modelos. Hoje, existem somente 60 construtores no mundo, dos quais só 14 são verdadeiramente relevantes.
O negócio das criptomoedas não está assim tão longe deste período vivido pelo negócio dos construtores de automóveis quanto possa parecer. Hoje, imagino que quando se pensa numa marca de automóveis, ainda se pensa que o carro está a ser fabricado como em 1920; na realidade está a ser montado com peças que são fabricadas em outros locais.
O objectivo é inovar naquilo que pode ser inovado e produzir a custos que têm que ser os mais baixos possíveis.
A ideia que as pessoas fazem da indústria digital é um pouco a mesma, mas, tal como nos carros, a realidade não vai ser muito diferente, depois do período de consolidação e limpeza natural que eliminará a grande maioria das mais de 10 mil Criptomoedas hoje existentes.
No entretanto, o mercado digital está a fazer mais pela promoção do investimento do que todas as campanhas criadas em Portugal; ao mesmo tempo, está a incentivar o espírito empreendedor do português, parecendo estar a levar a melhor sobre o espírito de funcionário público.
Esta diferença de atitude não é desprezível nas suas consequências para a economia do país, porque uma população mais empreendedora e com melhor noção de mercados é mais propensa à poupança, enquanto uma população com um espírito de funcionário é mais propensa ao consumo.
Mas existem mais paralelos entre estes anos 20, separados por um século, que convém analisar. Em 1920, o boom do mercado financeiro fazia parte de um crescimento generalizado de toda a economia norte-americana, que trazia prosperidade a todos os sectores de actividade económica.
Nos dias de hoje, só alguns índices bolsistas estão em máximos históricos, tal como o imobiliário, enquanto outros sectores estão em recessão, já as Criptomoedas estão a viver uma verdadeira euforia, mas que não influi na economia produtiva.
Outro paralelo entre as duas épocas, em que o crescimento das Criptomoedas parece estar a ter influência, é a aparente luta pela supremacia monetária que se está a verificar.
Parece haver 3 candidatos nesta corrida de credibilidade monetária. As moedas correntes – designados por fiat – , nomeadamente o Dólar norte-americano, os metais (ouro e prata) e as Criptomoedas, nomeadamente o Bitcoin e o Ethereum, que, de forma sincronizada, oscilam entre si.
Será bom enfatizar que a correlação sugerida é somente para efeitos ilustrativos, porque um processo de transição não é uma ciência exacta e cada mercado tem as suas próprias idiossincrasias e os seus fundamentos.
Em 1920, verificava-se o início da transição do cansado domínio inglês pelo crescente poder norte-americano.
É uma tradição histórica que os políticos dos diferentes países têm, a de transformar o poder económico em influência e poder político.
O Império inglês, enfraquecido pela primeira guerra mundial, tinha uma enorme dívida e taxas de juro altas. A Inglaterra tinha decidido voltar ao padrão-ouro e utilizava uma política monetária restrictiva.
Os Estados Unidos tinham sido a maior fonte de capital para os aliados na primeira guerra mundial e as suas empresas aumentaram a sua influência na Europa, beneficiando das baixas taxas de juro norte-americanas e de um significativo aumento da massa monetária criada pela Reserva Federal (FED – o banco central norte-americano), para manter as taxas baixas. Nessa transição, a Bolsa subiu com o sentimento de se viver uma nova era, até atingir o famoso crash de 1929.
Em 2021, o nível de endividamento dos Estados Unidos e de todo o mundo em geral é o mais alto da história, para manter as taxas de juro mais baixas da história. Na Europa, o ciclo de taxas zero ou negativas leva 10 anos e foi substancialmente agravado com a pandemia.
O que está em causa actualmente é um novo sistema monetário, em que o padrão dólar começa a ser desafiado por outras potências. Aquilo que parece ser um processo de transição reflecte-se numa valorização histórica do Bitcoin que pode também acabar em crash.
Existe ainda um outro paralelo, que é um pouco o espirito de ‘’farwest’’ do mercado das Criptomoedas e do mercado financeiro de 1920. Tudo parece ser possível.
A terminologia “corner de market” foi cunhada nos primórdios do mercado financeiro, em que tudo era permitido para monopolizar o mercado.
Basta ler o livro Reminiscence of a Stock Operator para perceber que as tácticas utilizadas não são diferentes daquelas que fazem as histórias de hoje do mercado de Criptomoedas; só os meios de suporte mudaram.
Quando Elon Musk vem fazer a apologia da ‘’Dogecoin’’ ou afirmar o seu contrário, a intenção é somente mover o mercado e aferir a sua influência. Foi também nos loucos anos 20 do século passado que se aprendeu que as compras devem ser feitas com o rumor e as vendas com a confirmação da notícia.
No fundo o mercado financeiro dos 80 anos seguintes foi moldado com os erros de quem aprendeu investindo o seu dinheiro. Essa é a maior lição da loucura que se vive nas Criptomoedas.